quinta-feira, 25 de julho de 2013

É melhor que seja só escolha

  E desde menina gostava muito de estar sozinha. Não tanto, completamente sem companhia, porque sempre foi cercada de muitas pessoas por todos os lados, mas mais como uma ilha é o que ela gostava de ser; ter pessoas, sem no entanto, elas a terem. Pedaço de terra firme, rodeado de água passageira. Precisava de um tempo somente para ela,  para cumprir com suas obrigações diárias, lição de casa, lavar a louça, levar o lixo para fora, arrumar o próprio quarto; para desfrutar dos seus pequenos prazeres, descobrir caramujos nas plantas da mãe, cuidar delas e, por vezes, até matá-las por excesso de zelo (ou adubo ou água), brincar de bonecas sozinha também lhe parecia bom, tinha amigas e gostava muito delas, mas premeditava continuar a brincadeira logo que fossem embora de sua casa, às vezes, torcia até para que se despedissem logo. Sozinha ela tinha um outro jeito com as bonecas, não precisava tanto dirigir a brincadeira, não se decepcionava com os diálogos que com as outras adultas de mentira ela tinha que estabelecer. Sozinha era melhor. Quando adoecia pedia que a mãe não deixasse entrar as visitas, desejava solidão no desconforto. Só a mãe era imprescindível nesses momentos, mas odiava quando ouvia-na detalhando em um cochicho indiscreto com a vizinha sobre qualquer de suas enfermidades ocasionais; rezava para um dia tornar-se adulta e, só então, independente cuidar da própria saúde, sem testemunhas; sem olhares de pena, sem ter que dividir o seu pior.

  Gastava grande parte do seu tempo com desculpas inventadas para recusar convites. Não queria que se magoassem com sua necessidade  de solidão, não era a recusa de um acompanhante, era só a aceitação de sua própria companhia. Achava demasiado desconfortável gostar tanto de algo, que para alguém não era nem um pouco prazeroso. Dividia noite e dia entre os outros e a si própria e achava mesmo que ia bem.

  Agora, o menino do lado também brinca solitário, desvenda o incrível jardim da avó e também acha caramujos, salta pelos canteiros de verduras, brinca de ser adulto e acho que seus diálogos agradariam na brincadeira da menina. Sozinho ele tem um universo invejável, tão vasto quanto o dela. 

  Como a menina e o garotinho da casa ao lado acho mesmo que algumas atividades podem e devem ser feitas de maneira individual. Acho que o sujeito que leva a si mesmo para passear, ir ao cinema, jantar, descobrir sebos escondidos, ver o céu e a chuva se enriquece com as descobertas que a própria companhia é capaz de proporcionar. Mas, por outro lado, tenho achado que a escolha por si, tantas vezes é a falta da companhia certa. A  menina e o garoto, é um desses casos, se fosse possível que se conhecessem acho que gostariam muito de brincarem em dupla, mas por acreditarem que o jeito com que brincam são únicos e não agrada aos amigos, sem opção, escolhem a si. É como se gostassem da solidão porque não tivessem encontrado, ainda, alguém com quem pudessem compartilhar de um gosto.

  Agora é noite, a menina há muito não vejo, a casa ao lado já silenciou e por isso acho que o menino dorme. Gostaria que se conhecessem e que juntos caçassem caramujos, brincassem de jardineiros e imitassem adultos, seriam convincentes um ao outro. Mas, estão solitários e acreditam ser passageiro, um dia serão crescidos e se acostumarão a conservarem um universo sem visitas, dirão ser escolha, mas não sabem que fora do jardim da avó e do quintal da mãe existe alguém a caçar caramujos tão solitário quanto eles. Quem muito escolhe somente a si, talvez termine por ser sua única opção. Talvez.



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