quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Entre 23 mil, você

  Achou engraçado e resolveu me contar algo, que agora chamava de banal, mas a abalara profundamente dias atrás. Me concentro no assunto, no caso, cuja marca da banalidade desconfio; se ela achasse mesmo isso não me contaria, ela jamais ocupa o ouvido alheio com banalidades. Disse que no profético dia, entre uma leitura e outra, em uma dessas viagens não planejadas pelo mundo virtual, enquanto lia atenta a um artigo. Ao seu final, percebeu um rosto conhecido em uma foto pequeniníssima dessas que exibem os perfis sociais dos leitores de  matérias de determinados sites. - A foto era dele. O rosto dele, entende? E, ela seguia como se a surpresa tinha sido nesse momento ainda. Tomou mais um gole da sua bebida e mais alto repetia: - Entre 23 mil leitores do blog a foto dele, junto com outros nove, estava lá, na mesma página em que eu também lia o  artigo. - Isso deve significar alguma coisa, não? Estou imaginando, não é? Os olhos lacrimejaram, mas não chorou. Escolheu o seu riso tão peculiar, dos mais familiares que conheço. Sorrimos juntas, mesmo quando ainda, a sua dor era visível. Isso é uma dos dádivas que os laços podem nos dar: o conforto da companhia, mesmo com alguma dor latente.

  Não achei-a banal, nem ela, nem o caso que me contava, porque conheço, mesmo que pouco, a sua história com o tal rosto, redescoberto ao acaso. Por isso tento dar algum significado subjetivo a uma fria possibilidade estatística. Depois de anos, ainda compartilham ao menos um gosto, e em milhares de possíveis combinações, ele, sem saber, reacende uma infinidade de lembranças, arrependimentos e uma tentativa desesperada de interpretar um sinal.

  Depois da separação, iniciativa dela. Nunca mais se viram, não mantiveram o mínimo contato e ela preferia assim. Não queria magoá-lo e dizia, à época, lembro bem, que não queria feri-lo com a própria felicidade, com a vida que escolhera prosseguir sem ele. Agora ela segurava um copo em uma das mãos e em outra um coração cheio de dúvidas, e buscava a todo custo dar significado a foto que aparecera para ela, no trabalho, às três da tarde de uma terça-feira. 

  Incapaz de explicar-lhe tecnicamente, e é claro que ela não buscava este tipo de explicação, não disse-lhe, novamente, o que queria ter-lhe dito há anos atrás. Que a companhia que dispensara, não modificava em nada o que ela era, não alterava quase nada a vida que escolhia. Ao mudar de parceiro, só a vida amorosa é que ganhava novos ares. E ela buscava em outro, a revolução que desejava para a própria vida. Não é possível. A gente até tenta, mas nunca é bem sucedido.

  Ontem, quando viu o rosto, há muito apagado, enxergou que talvez teria desperdiçado a sua melhor chance, entre 23 mil possibilidades. Quando os olhos quase distraídos, passaram sobre a foto de seu antigo amor, teve medo de ter perdido a melhor possibilidade de felicidade entre 23 mil. Entre 23 mil perfis, o dele. Coincidência ou não, isso a perturbara. Depois que acabou a bebida, seguimos juntas até a rua. Nos separamos e cada qual seguiu o caminho de sua própria casa; ela com a perturbação, do rosto, entre os 23 mil e eu, ainda, com o meu número ilimitado de combinações. Sorte a dela, azar o dela. Azar o meu ou sorte a minha. Não sabemos, ninguém sabe. Sorte certa é a do garçom, cuja única gorjeta da noite vazia foi a nossa. - Boa noite, moço. - Ótima noite meninas.



Um comentário:

Ana disse...

E ainda dizem que não há coincidências!
Eu acredito em coincidências, é a fotografia de alguém, é uma música que passa no momento certo ou errado, é um deja vú, para o bem e para o mal elas existem, para nos lembrarem que fomos felizes e para nos lembrarem que fomos infelizes, ou descentes, ou crentes:)
beijo