sexta-feira, 15 de novembro de 2013

As guerras que não se deve ir.

  Há coisas que não devem ser reveladas, nunca. É o que eu acho. Guardar para si, ao contrário do que dizem, pode ser altamente terapêutico, benéfico e sensato. Mágoas, opiniões, julgamentos, são, de uma maneira geral, precipitados, quando não equivocados. Para todo sentimento é preciso tempo: para entendimento, absorção, lapidação e, até quem sabe, para uma absolvição. Não há julgamentos justos quando expomos o réu a uma emoção raivosa; juiz e acusados saem condenados por antecipação.

  A pior guerra é aquela que se mascara de "fria", sem declaração oficial, sem estratégias reconhecidas, sem barulho de tiro, sem ameaça de bomba. Guerra, cuja munição é colecionada lentamente, soturnamente, para então, um dia, ser despejada pouco a pouco, assim como foi recolhida. Um tiro de amargura por dia pode dizimar populações inteiras. Mata quem recebe, mata quem atira, mata, até, quem assiste.

  Da janela do apartamento, vejo-os com frequência, são crianças, alunos de um jardim de infância. Desde que mudei-me para cá, já passaram pelo mesmo gramado verde, bem cuidado, com brinquedos coloridos, uma centena delas. Barulhentas, bonitas, surpreendentes. Já passei algumas horas da vida, vendo-as se relacionarem e aprendendo cotidianamente a difícil lição daquilo que é individual e do que pertence ao coletivo. São espertas, todas elas e cada segundo meu, dedicado a observá-las, faço uma nova aquisição.

  Dia desses, enquanto uma turma de cerca de quatro anos brincava no gramado, uma garotinha já irritada aproximou-se de um balanço de pneu, no qual  um menino se preparava, com alguma dificuldade, acho que em função da altura, para sentar-se e com um forte empurrão, derrubou-o ao chão e tomou-lhe rapidamente o lugar. Sob o meu curioso olhar uma guerra estava pronta para estourar. Eu testemunharia o início de um conflito.

  Humilhado, fragilizado, ludibriado e agora, no chão. O menininho levantou-se, tirou da boca alguma sujeira, resultado da queda e correu para a fila do escorregador, nem por um momento olhou para a menina vitoriosa, ladra do seu trono de pneu. Nem uma cara feia, nem reclamação, choro ou uma língua para fora em direção a pequena criminosa. Ele não deu absolutamente nada à menina; nada. E ao seguir, evitou uma batalha infrutífera, tirou-lhe a graça do roubo e foi fazer o que  melhor sabe: brincar. Em poucos minutos a menina abria mão da sua conquista e também voltava ao grupo. Batalha evitada, sem mágoas, desejo de vingança ou cólera descarregada. 

  Os finais podem e devem ser escritos com a caneta leve do perdão; do entendimento de que as ações alheias não podem mudar o que temos de mais caro: nossa própria alma. Não se combate uma injustiça com amargura. Quem revida com mágoa quase sempre é quem mais perde. O melhor a ser feito, é deixar nas mãos do tempo, ele é quem dá às coisas o seu valor mais aproximado. A melhor batalha é aquela que não acontece. Não responder à altura é, ainda, a melhor resposta.

  Passei a semana, visitando a janela, procurando pelo mesmo menino, mas entre tantos rostinhos felizes, não consigo identificá-lo. Ainda assim ele me afetou, sugeriu-me uma direção e o fez sem palavra alguma. Meu melhor conselheiro respeita filas, não se envolve em disputas infantis e não passa dos cinco anos de idade. São nos jardins de infância que a intelectualidade mais fina reside, lá moram as melhores e mais sensatas ações.



Um comentário:

Ana disse...

Nisso sou um bocado criança, tenho o defeito de dizer tudo o que me vai na cabeça e é mau. Com o tempo vou aprendendo que as pessoas preferem ouvir aquilo que querem ouvir àquilo que realmente pensamos. Vou guardando muitas das minhas opiniões para mim, acho que cada vez me vou isolando mais, prefiro manter por perto aqueles que me percebem e que me ouvem sem se machucar do que os que não querem ouvir. Vou aprendendo que o silêncio, seja nas opiniões, seja nas brigas é a melhor arma e solução.