terça-feira, 26 de novembro de 2013

Mais que a dúzia.

   Em casa, desde que nasci, meu pai é quem vai à feira. Já mudamos de bairro algumas vezes e ele sempre encontra alguma feira de hortifrúti perto de casa, para frequentar, religiosamente, uma vez por semana. Compra-se, portanto, pouca coisa nos supermercados. Não entendia essa necessidade de sair de casa mais cedo, em um determinado dia da semana, para comprar algo que encontra-se, facilmente, todos os dias nos diversos supermercados da cidade. Mas, há pouco, compreendi do que são feitas as feiras.
  E, elas são mais do que  dúzias de laranjas, sacolas de pepinos, beterrabas, couves, alfaces, maçãs ou bananas, ir à feira é um experiência que ultrapassa o objetivo de aplacar a fome e colaborar com a saúde; há mais vida naqueles caixotes de madeira, nas barraquinhas cobertas com lonas azuis e nos corredores apertados do que eu poderia imaginar.

  O lugar e o dia da feira são quase sempre permanentes,  mas seus produtos variam muito, conforme a estação, agora, por exemplo, os abacaxis são facilmente encontrados e, por isso, custam bem pouco. Não existe tempo ruim para os trabalhadores incansáveis da feira, dias chuvosos ou ensolarados estão eles dispostos, disponíveis e simpáticos, são  especialmente bem humorados, saber o nome e conhecer o gosto dos fregueses mais habituais, aumenta e, principalmente, mantém a freguesia; diferente das grandes redes de supermercados, levar uma lista para feira é bem pouco prático, é o tipo de comércio que não deve se estabelecer expectativas antecipadas sobre as compras que se fará, já que a oferta e a qualidade dos produtos é altamente variável, depende da estação, dos fenômenos naturais, das pragas, enfim, uma série de implicações que colaboram para esta imprevisibilidade.

  Ao sair de casa, é preciso disposição para o novo, as barracas mais antigas, por exemplo, oferecem pequenas amostras dos seus produtos: um pedaço de fruta, um pouco de café pronto, dos grãos que colocam à venda, um biscoito ou pedaço de bolo; e muitos experimentam, sem intenção alguma de levar, mesmo assim não são rechaçados. É preciso bom humor, porque a feira toda tem esse clima de descompromisso e paciência, lá o bom atendimento é mais importante que a velocidade; os sentidos devem ser treinados, porque aguçados farão as melhores escolhas,  visão, paladar, olfato, tato e até audição, já que o lugar pode ser bem barulhento. É importante uma sacola grande e forte,  para o peso ficar bem distribuído, de alças grossas e macias, para quando estiver cheia, as mãos não saírem feridas. Requisita-se paciência para enfrentar as barracas mais solicitadas e delicadeza, para que os produtos mais sensíveis não sejam amassados, machucados e, mais tarde, desperdiçados.
   Ir à feira requer alguma técnica, mas muito mais prática e disposição para o aprendizado. Na vida, com os sentimentos é como ir à feira .

  Encontra-se produtos muito parecidos aos da feira, nas grandes redes de supermercado, todos os dias em qualquer época, já descascados, cortados, cuidadosamente embalados, em prateleiras higienizadas e iluminadas de fácil acesso. É possível acomodá-las no carrinho sem esforço algum e utilizar os serviço de entrega em domicílio. Leva-se para casa até o que nem se pretendia degustar, só pela facilidade de acesso. Consome-se fruta artificialmente amadurecida, porque não se pode esperar pela época certa, compra-se maçãs pela cor bonita, vermelha brilhante, mas sem sabor algum. Tudo isso porque é mais fácil, cômodo e belo.

  Não é necessário estabelecer relações, ser sociável; experimentar, não gostar e dizer isto sem magoar; carregar pesos; se espremer por corredores entre tanta gente; sentir calor, frio, se molhar em um pouco de chuva; desviar do cachorro de rua, da moça, dos carrinhos; não ter que confiar tanto nos seus instintos e escolher entre produtos de cores, formas e tamanhos naturalmente diversos. Parece mesmo um conforto...

  E por isso, perde-se o gosto verdadeiro, a textura de cada fruta, os aromas incomuns da feira, os barulhos mais prosaicos, a felicidade da escolha certa, individual e única. Os sorrisos, os olhares demorados e gestos tão humanos, tão antigos, tão esquecidos. A surpresa no cardápio, a aventura da descoberta de um novo sabor, a possibilidade de uma conversa. A dificuldade de encontrar entre um amontoado de produtos, o seu, o ideal, o que saciará, de fato, o desejo dos olhos e da boca.

  Na cozinha e na vida elejo a feira como o lugar que sacia a minha fome. Estômago e coração têm sido bastante gratos por isso, o que é fácil, nem sempre é ruim, mas frequentemente deixa muito a desejar. Cuidado com as prateleiras iluminadas, elas escondem bem mais que os pequenos e naturais defeitos numa casca. O que está disponível nem sempre sacia, muitas vezes, só engana a fome. Para apetites profundos, só comida de verdade.





Um comentário:

Ana disse...

Os mercados são toda uma experiência, eu adoro! Aqui há um todos os domingos mas é pequenino, tenho saudades de uma grande cidade precisamente pir causa do mercado, era maior, tinha mais coisas e como as vendedoras tinham mais clientela costumavam apregoar. Nem se comparam aos supermercados!