terça-feira, 5 de novembro de 2013

Troco o meu ouro

  Desço a avenida repleta de gente. São pessoas grandes, pequenas, médias; gente intranquila, que independente do tamanho, hoje, tem pressa; horário que as crianças entram nas escolas, seus pais vão ao trabalho e eu desço a avenida, infinitamente. Passo por placas que nunca me dizem nada, por lojas que nunca entrei e padarias cheirando a café fresco - ah esse é o melhor cheiro de qualquer cidade! - o semáforo agora, conta os segundos para a travessia dos pedestres, sete é o meu limite para ruas largas, já as estreitas, atravesso em quatro, antes eu olhava para as pessoas dentro dos seus carros, agora tenho fixado minha atenção nos números, logo eu, que nunca gostei deles. Todos, hoje, têm algum motivo para deixarem suas camas quentes, suas casas acolhedoras e saírem à rua cinzenta; eu tenho e quando não tenho invento. Numa cama quente poucas coisas podem se resolver, afora gripe, mais nada.

  A propaganda de uma cartomante chama minha atenção, mas assim como a maioria dos estabelecimentos da avenida, não tenho o que fazer lá, mas fixo seu endereço, alguém pode precisar da indicação. Até já quis ir lá ter com ela, saber de alguma previsão, mas ainda não encontrei a pergunta; não se vai a lugar nenhum, quando não se sabe aonde quer chegar. O centro médico, a clínica veterinária, o prédio de escritórios, o curso de direção, quase nada escapa ao meu olhar, a mãe puxa o filho, o homem seu cachorro, a babá empurra o carrinho, todos têm um destino, acho. E seguem, porque não se perguntam se isto é certo, se é o que desejam, quem eles são, o que farão daquilo que a vida tem feito deles, pois há perguntas que não fazemos, somente para mantermos o mínimo de sanidade. É isso que fazem as pessoas baterem cartão, voltarem às casas, saírem para o jogging diário, a busca pelo gole de sanidade diária.

  Um homem-placa vem em minha direção, anuncia que vende ouro e eu compraria ouro para quê? Quem compra? Sou tão pobre que não sei a diferença de bijouteria e joia, o valor que eu atribuo às coisas, sempre diz mais respeito ao significado, do que ao significante. Sou estranha à matéria e ela a mim.

  Tempos atrás, na rua calçada, ficavam dois homens-placa, desses trabalhadores que "vestem" um anúncio, lado a lado, com as inscrições "compro ouro" e o outro "vendo ouro". Achava um absurdo vê-los ali o dia todo: "Que fizessem negócio, quando chegassem. Já que um tinha o que o outro desejava!". Achava-os completamente estúpidos, cegos, só não atentava-os da possibilidade, porque era muito tímida.  A procura está ao lado e ninguém percebe? Mais tarde, o pai me explicou que não era simples assim, possivelmente eram de uma mesma empresa, que comprava e também vendia ouro. Negócios, economia, finanças, mercado, nunca tive muita afinidade com este universo. 

  Fosse como fosse, enquanto o homem-placa andava ao meu encontro, desejei ser o homem placa "do compro" e enfim, acabaria a busca de cada um de nós, ele me venderia seu ouro e eu o compraria, terminada a negociação, jogaríamos nossos anúncios à primeira lixeira e seguiríamos satisfeitos com o fim das nossas buscas. Eu seria sua resposta e ele a minha. Ambos, placas de visão aguçada. Eu saberia o queria e ele também, por isso nossa felicidade seria tão plena. Mas isto não funciona assim, o homem vende seu ouro a muitos, a todos que desejam comprá-lo e o outro nunca cessa de comprar o ouro que lhe oferecem. Lamento não resolver o imbróglio, sinto por não ter uma pergunta certa para a cartomante e mais ainda, pelas outras milhares que tenho e que quase me afastam da sanidade social, eu disse "quase".

  Não compro, não vendo ouro, mas trocaria. Trocaria todo ele por uma pergunta ou pela resposta já pronta. A avenida chega ao fim, entro no endereço que tenho frequentado. É o fim do trajeto, intervalo do passeio, mas a busca, essa  não termina nunca.




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