sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Amargo é não ter que esperar

  A TV não pega bem, o volume está baixíssimo, impossível de entender o que a apresentadora fala, as revistas nas duas cestas estão ali há pelo menos um ano, as publicações mais recentes, disponíveis na cesta de palha mais longe, definitivamente não me interessam, uma de cunho religioso e outra de um determinado candidato, economizo minhas críticas, prefiro manter-me no sofá, o esforço seria completamente infértil; não me acostumei aos jogos de celular (felizmente) e no aplicativo de conversas ninguém me requisita. Somos eu, a secretária, a sala de espera e as duas cestas de palha com revistas antigas. E enquanto eu me preparava para começar uma conversa com ela,  o telefone toca, ela o atende com o texto profissional já automatizado, somente interrompido por um soluço e, logo depois, uma crise de risos histéricos. Do outro lado, alguém com quem ela tem intimidade e, por isso, o diálogo longo nos deixa, eu e as cestas de palha, solitárias na sala que nunca frequentei antes. Do assunto que desconheço, uma frase atrai  a minha atenção e, por isso,  passo a a espectadora de uma conversa que não me diz respeito - e são essas, frequentemente, que acabam por mais me interessar. - Dois meses e nada?

  A secretária repreende a sua interlocutora, que parece não se abalar. Porque ela ainda repete:  - Mas são dois meses e você sem resposta alguma? Como aguenta? Não vai atrás? Eu no seu lugar preferia qualquer resposta definitiva, por pior que fosse, do que nada...
Do outro lado, alguém que continua paciente, resignada, tranquila, acho, enquanto a secretária endurece a expressão, se incomoda e desassossegada bate a caneta, cada vez com mais força, na bancada da recepção. Ansiosa por uma resposta que não virá para ela, talvez ela até seja afetada, mas ela não é o destino primeiro.

  Durante o diálogo, que ainda se alongou, repetindo a indignação da mulher e a despreocupação de alguém que eu não posso ver; invariavelmente identificava-me ora com uma, ora com outro. A mulher que eu via queria correr, incomodada com o andar lento de alguém a quem amava, ela incitava uma busca que talvez não coubesse ao outro, que talvez viesse naturalmente, como um vento, um dia de sol, uma chuva fina em pleno verão. Ou podia não vir nunca, vez ou outra, não vem mesmo, com ou sem tranquilidade, com ou sem espera. 

  Entendia o sentimento da mulher a minha frente, porque frequentemente a gente apressa o tempo alheio, na tentativa de fazermos correr os nossos próprios ponteiros, subitamente esquecemos que os relógios nunca andam em uma mesma frequência e, principalmente, na velocidade que mais nos agrada. Mas compartilhava muito da perspectiva do interlocutor oculto. Dois meses, dois anos ou vinte, nem sempre são uma espera longa para quem põe nas mãos do destino o que cabe somente a ele, para quem a vida existe para além de qualquer resposta. Esperar um minuto por um certeza  urgente é um tempo infinitamente maior do que longas esperas doces. A vida requisita mais de enigmas do que respostas; por vezes, a resolução é quem matará a vida. Doce é esperar sem sofrimento, é receber sem hora marcada o visitante desejado. Amargo é querer que ele venha no ritmo de um ponteiro tirano, que só o levará para mais longe. No consultório, alguém chama pelo meu nome e pede desculpas pelo atraso que eu mal vi acontecer. Minha espera é contínua e eu sou grata por ela.




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