quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Não quero o osso, bastava a galinha viva

 E foi ruim? - Não. Mas é que bom também não tem sido. 
 - Há quanto tempo?
- Nem sei mais quando foi  última vez que foi bom. Acho que a espera pelo bom, fez parecer que não era ruim. Entende? Promessa, de repente, vira a própria coisa. A espera pelo bom, acaba por enganar; e, por achar que a coisa já está logo ali, quase apontando na esquina, a gente já se alegra. Não porque estivesse contente de verdade, mas em um ensaio para a felicidade. Acho que é algo assim.

- Mas quem te prometeu?
- Então, aí que está: ninguém fez promessa alguma, mas nem por isso deixei de esperar algo. A gente espera, sabe? O ser que mais cria expectativas no reino animal, vegetal ou mineral é o homem. Bicho-esperançoso, desde a raiz. Porque cachorro até espera pelo osso, se ele vê um homem comer a galinha, se sente cheiro de galinha, vê as penas da galinha, mas ele não espera o osso só porque um homem passa e acaricia sua cabeça. Gente não. Gente, às vezes, nem sabe o que é galinha e mesmo assim espera o osso, sem nem saber que ele existe. E se a gente recebe um afago então, daí  é que espera mesmo! Rodeia o homem, cheira o homem, late para o homem até ele falar de algum osso.

  Então é isso, eu esperava por uma recompensa, eu sei que a viagem é que deveria me importar e blábláblá, mas, às vezes cansa ser andarilho e tudo o que se quer é chegar em algum lugar verdadeiramente bonito. E que tenha paz, cheiro bom, acolhimento e que esse lugar possa te consolar de tantas noites mal dormidas, chuvas surpresas, raios que passaram por um fio do seu corpo, das portas na cara, dos sucessivos copos d'água negados. Alguma compensação, entende? E a gente espera, espera, vai trabalhando, juntando cacos, peças soltas, revirando lixos atrás da única peça perdida e quando a encontra, completa a figura e...subitamente, tiram-na da sua frente e colocam outra incompleta de novo e nunca acaba, acho.

  O dia foi desses, levantaram a minha figura completa, recém-terminada, laboriosamente reconstruída e já trouxeram outra, sem cerimônia de despedida daquela e apresentação desta. E o que eu faço com isto agora?  Meu ânimo está desgastado, minhas mãos menos delicadas...e por isso, acho, as pessoas um dia largam tudo. Abandonam empregos, famílias, casas e a vida de repetidas figuras incompletas e se mandam. Juro. Vão todas atrás da expectativa que nunca virou a esquina, do ônibus que não veio, da ligação que não receberam, da carta que não chegou, do homem que nunca bateu ao portão, de algo, sabe? De algo que, finalmente, legitime esse exercício que embora não prometa gabarito, a gente aguarda por uma singela resposta; um aceno de cabeça bastava, um sorrisinho ou um olhar de decepção também já seriam caminhos. Mas, tudo é neutro, tudo pode ser, tudo é "volte amanhã". Nenhum aceno. E a gente procurando pelo osso, sem nem saber de galinha nenhuma.

- E foi tudo "não- ruim" assim, hoje?

- Quase...teve o céu de noite, o vento sacudindo o tempo parado, a lua embaçada em um branco-fosco, os pelos do braço arrepiados de frio, despreparados para a mudança do clima, um par de sapatos errados que só a dona percebeu e olhando a esquina, eu esperava que a chuva a cruzasse ou um homem ou uma galinha ou osso. Se eu ainda visse só uma galinha, eu me apegava a ideia de um dia ter um osso. Espera, acho que alguma coisa vai virar a esquina agora...só mais um pouco de espera. Não custa nada, não é? Depois de tanto tempo, mais cinco ou dez minutos não farão diferença mesmo. Cansada, senta. Amanhã tem mais. As esquinas estão por toda a parte e o bicho-esperançoso segue rondando o osso de uma galinha que nem sabe se existe para ele.





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