quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Na estiagem um gesto faz chover

  O pasto é vasto. E, às vezes, falta poesia. O cansaço é quase só de ver. Tanto trabalho para a pequenez de duas mãos. É final de novembro e a estiagem facilita o trabalho de capina, mas faz tristeza de ver planta quase nenhuma sobreviver. Sozinho no seu reino o homem quase não tem tempo de pensar na própria solidão. A vida de todos os dias consome muito: é tempo, é vida, é dar-se conta do compromisso de não desistir. É quinta-feira, o sol escaldante e o medo de não resistir logo passa. Nenhuma falta de coragem dura muito por aqui.

  O trabalho é o orgulho do homem, ele sabe que pesa sobre os seus ombros a manutenção da vida do seu reino: plantas, bichos, outros homens. É cultivar alimento e dar de comer a quem nunca colocou suas mãos na terra, ele tem pena de quem não conhece a textura da terra, o cheiro dela quando chove, a cor que ela tem quando encarde a brancura das mãos. Mas há dias também em que o homem sonha em vender tudo, comprar apartamento, andar de ônibus e metrô e arrumar emprego em fábrica, ter muitos amigos, conversar enquanto trabalha, mas aí desiste quando lembra que terá de obedecer a outro homem.

  Sozinho no campo, suor molhando as têmporas, triste pelas sementes desperdiçadas, pelas águas que custam a chover, pelo destino de ser pequeno na natureza que ele aprendeu a domar só pela metade. Ele mesmo só se reconhece meio, há uma parte de si que sozinho ele não visita. - A desolação aqui é ter só dois braços! 

  Retorna a enxada no chão, sabe que reclamação nenhuma facilita o trabalho, pelo contrário, ele acha que atrasa, que dificulta e faz doer mais quando lamenta. E de repente, lá longe aponta uma cabeça e depois um corpo e a sombra inteira de um outro humano. O homem é conhecido antigo e visita inesperada, a caminhada dura mais alguns minutos e logo ele se aproxima, cumprimenta sem muitas palavras.
 
  É na peleja que a gente conhece um irmão, na lida a gente reconhece os amigos. Quando silenciosamente ele não se oferece para ajudar, mas pega uma enxada e se junta na capina. - Irmão, o suor nos une. De repente deu vontade de chorar de gratidão, mas segurou o soluço e empenhou mais força e coragem no instrumento de trabalho, naquele que lhe dá sustento e função na vida.  O gesto não trouxe chuva, o serviço amanhã continua, mas as duas mãos do amigo regaram a secura da alma dele.

 - Irmão, eu não te decepcionarei, vou até o fim, até o pasto estar todo limpinho de novo. Domingo vou à missa fazer intenção de proteção ao meu amigo. A única paga que tenho é essa: dos bons desejos. Na estiagem só os frutos da terra não brotam, mas sentimentos resistem até a falta da chuva. A vida é boa, só carece de não se pensar muito nela.



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