Dos olhos escuros não sentirei quase falta, nem dos cabelos castanhos, que variam quimicamente de cor, tampouco da tatuagem que quase nunca vejo, das anotações talvez sinta um pouco mais a falta, porque não estou para atenção todos os dias; mas o que, de fato, sentirei mais a ausência é do seu silêncio. Silêncio partilhado, compreendido, silêncio mais alto do que as vozes desordenadas que tentam invadir nossa ilha. A empatia não requisitou mais de cinco minutos; meu silêncio encontrou o dela - e a vida fica mais fácil nos encontros.
E depois, nunca precisou de promessa, de elogios, de delicadezas ensaiadas, bastava a companhia do silêncio, a certeza de alguém me ouvir quando a voz não pudesse ou se recusasse a sair. Ela ali do lado e a certeza do entendimento, náufragas de uma mesma ilha; residentes voluntárias de estrofes menores, de cantos de livros, de notas desapercebidas nos murais. Compartilhávamos o que não tínhamos, dávamos uma à outra só as faltas e acho que por isso saímos mais abastadas: cheias de nadas somados.
Dei a ela minha ausência de irmãos mais novos. Reconheço egoísmo infantil na falta declarada, tinha horror em pensar na possibilidade de ser única em casa, acho que adivinhando meu desespero, mandaram-me por último. Mas de quem cuidar? A quem servir de modelo, dar conselhos ou consolar as quedas, cuidando das feridas e esbravejando para a mãe não nos recolher da rua? Sou órfã de irmãos mais novos. Por isso, nos últimos tempos, a tomei como irmã caçula. E por causa do silêncio, é claro, e um pouco pela similaridade de relação que estabeleci noutros tempos com outra ausente de continente, outra apartada.
Agora, a irmã eleita, decide-se pela subida no navio, ancorado, sempre a espreita na ilha. Há sete anos a outra caçula, a quem eu ofertava cuidados e despejava conselhos inúteis, subiu, sem despedidas, sem cerimônias, sem possibilidade de retorno. E de partidas assim nunca nos esquecemos. Ficamos a beira da praia, lamentando, vertendo água salobra que nunca se converte em mar ou noutra utilidade.
Acostumada às partidas, mas completamente inábil com a solidão de não ser útil. Padeço de uma maternidade com muitos filhos ocultos, perdidos pelo mundo. Respondo pela miséria de desejar ser necessária. Sou sempre a última a sair de casa, para conferir se a porta será mesmo fechada.
Minha amiga recente traçará o próprio caminho e nada é mais bonito do que alguém sozinho inventar cada um dos seus passos. Meus olhos maternos se enchem de lágrimas e mais ainda de orgulho. A despedida teve aviso, preparo e acenos delicados. A esta viagem logo me afeiçoo. Está feito o embarque, daqui de baixo, desejo sorte e silêncios ultramarinos.
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