segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Na singeleza assim, ganha o mundo


  A vida dela não é novidade. Não chegou primeiro, não demarcou linha alguma, não veio antes de uma grande coisa, nem depois de grande coisa outra, só veio e pronto. Sem a expectativa do inédito, sem o medo do desconhecido, sem a entrega absoluta para uma novidade. Veio como todas as melhores coisas da vida nos chegam: sem ansiedade pelo começo ou desespero pelo fim; resto de onda quebrada, sem poder algum de destruição ou muito movimento, só cosquinha e refresco para os pés. 

  E de começo repetido, em começo conhecido ela tem se tornado essencial, melhor visão nos últimos dias, aprendizado contínuo sem didatismos: ela é a matéria em teoria e prática cabal do que a vida deve ser. Para tudo tem pedidos, não faz exigências arrogantes, nem se humilha em súplicas, só comove numa voz tão doce e trejeitos tão delicados que absolutamente nada lhe é negado. Não tem manha, nem pirraça é só pedido sem exasperação, fácil, bonito e por isso a vontade é de satisfazer-lhes todos os desejos. Conquistar o mundo assim é menos duro, sabe? Certamente que há algum trabalho empenhado nisto tudo, mas não há disputa de forças, braços a serem vencidos; a delicadeza vence sem que o vencido desconfie. Por isso não há humilhação, necessidade de retaliação, mágoas, ressentimentos de um perdedor. Quando ela ganha o mundo inteiro vence junto.

   Dos batons,  os vermelhos são os preferidos dela; borrados, passados além do limite dos lábios e da necessidade de retoques, sempre. Dançarina inata, ela requebra solta e despreocupada em qualquer lugar, se gosta da música que ouve, sem preconceitos, pudores ou autoavaliações. Não há coreografia exata, só tentativas sucessivas de sincronizar corpo, ritmo e alma; ela se importa mesmo com os seus pedidos interiores - não sufocados, ignorados ou subestimados - na entrega ela vive, ela se dá o tempo inteiro a ela mesma. Ela se entrega e se acolhe com a mesma intensidade, não se abandona, nem  sufoca os próprios sentimentos; é um amor próprio, mas também generoso, não quer tudo para si, só quer um pouco.
 
  O cabelo ralo, os olhos de um castanho comum, as pernas e os braços finíssimos e os sorrisos que só obedecem a sua própria vontade,  inauguraram outro padrão estético: personalidade é a beleza irresistível. Sua graciosidade é falta de jeito, rabiscos na parede, chaves perdidas, colheres escondidas, risos fáceis, soltos, gargalhadas contagiantes e dança...como dança! Não é pluma esvoaçante, nem cisne elegante, são requebros descompassados e plenos, cheios dela mesma. A menina é agridoce, não é nada passiva, mas engana, na voz doce, na carinha mansa, nas mãos tão disponíveis sempre.

  Felicidade de cabelos poucos, estatura e vocabulário limitado, mas cheia de uma coisa que até sem  sabermos o que é a vontade é de cópia, de aprendizado. Ensina a ser doce, Luiza, a ver o mundo do jeito que dá, a dançar sem necessidade de perfeição, a ser bonita de um jeito eterno, a pedir sutilmente e ganhar até aquilo que nem sabíamos existir. Ensina a inaugurarmos um mundo novo, em que as conquistas menores sejam as mais comemoradas, que tudo leve ao riso e que as lágrimas acabem num de repente, como começaram. Mostra que se ocupar da própria vida é a melhor escolha, que não é preciso que ninguém siga os nossos passos, assim como nós, que criamos os nossos próprios. Aponte o caminho livre de medos, censuras, cores e limites imutáveis; ensina a regular a voz, não tão baixa a ponto de não ser ouvida, nem tão alta para que não fira, magoe ou incomode. Ensina a termos mãos, alma e sorrisos disponíveis, mas que a gente só distribua a quem escolhermos, naquele exato  tempo que acharmos bom.

  A novidade não é mais a vida recente, inédita, começada de maneira especial e aguardada, mas a vida possível, reinventada diariamente, sem começo marcado, sem um fim específico; é ouvir a música e se gostar, deixar o corpo fluir, sem preocupações com os olhos alheios, com as expectativas possíveis; o que verdadeiramente importa é só mesmo a vontade da dança.



Nenhum comentário: