domingo, 12 de abril de 2015

Pela promessa, que eles não dormem

   Já passa das três e o garoto da bateria segue com o seu repertório incansável, a vocalista já se calou, o guitarrista desistiu e acho até que os dois foram dormir, ninguém grita, nem pede mais bebida. Na rua, só a bateria histérica, o latido do cachorro insone e o choro abafado no apartamento ao lado. Vez ou outra um táxi para e descem os bêbados engraçados da minha rua. Escuto as conversas: um troco errado, a chave perdida, o celular que ninguém viu, o namorado que ficou não sabe onde. Batem a porta do carro, deixam uma garrafa cair, a chave que não acerta a fechadura nunca, depois da quarta tentativa deles, me levanto e abro o portão pelo interfone, ainda tentam abrir a segunda porta, já aberta, chego até a janela e aviso que  abri, se assustam e riem muito às 3 da manhã, debaixo da minha janela. Escuto ainda os saltos no apartamento de cima, depois se ajeitam logo e dormem, antes de mim, do cão, do baterista e do vizinho sentimental.

   O silêncio da madrugada só existe para quem, ao dormir, consegue se libertar dos sonhos do dia, somos quatro despertos a poucos metros de distância, mas infinitamente solitários na esperança que não encontramos de olhos fechados. Cada um cumprindo com a sua função, cada um carregando firme o seu próprio legado, aguardando que o início do dia traga aquilo pelo qual fazemos vigília. E se chegasse e estivéssemos dormindo? E se perdêssemos a hora? Se não ouvíssemos a porta? 

   Alguém disse ao baterista que o treino fará dele melhor músico, por isso as madrugadas são atravessadas pelas baquetas que não sabem de fim. O cachorro da casa da frente é um sensitivo, late muito antes que os carros apontem na esquina,  antes do ladrão pular o portão, late, ainda, quando os pichadores aprontam seus sprays, ele late para o que sabe que pode vir, mas ainda não veio; confio que quando o cachorro late é o prenúncio de  algo muito grande que está prestes a acontecer na rua. O vizinho do lado chora escondido pelo recente abandono da namorada, não sei se chora por ela ou pelo abandono, mas sua arrogância do dia pelos corredores, no apartamento, o abandona. Alguém o consolou dizendo que vai passar, ele para o choro, mas não dorme, aguarda o momento crucial do esquecimento.

  Não dormimos, nós quatro, pela promessa de felicidade, pela ideia que inventamos de que no final da maratona haverá pódio, que depois do trabalho árduo, alguma recompensa será ofertada, que se nos mantivermos acordados, o sonho se realizará. É pela promessa que o cachorro late na madrugada é pela confiança no latido que eu não consigo dormir e sigo abrindo portões para os embriagados.

  A bateria se calou, o homem ao lado acho que, agora, dorme; permanentes e incansáveis só o cachorro na varanda da frente e eu. A promessa é um vazio que nos enche de esperança, é ela que nos tira o sono e nos faz os vigilantes mais constantes da rua. Se soubéssemos desacreditar no porvir e nos entregar, inocentes, a Morfeu; mas isto também é só uma promessa. Quando o sol entra pelas cortinas, mudos, eu e cachorro esquecemos o que esperávamos e fechamos os olhos de mãos vazias. Depois dos sonhos, acordaremos mais crentes no que podemos ver e ter somente à luz do dia.




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