sexta-feira, 17 de abril de 2015

Ao mar que nunca vamos

   Daquilo que temos, do que ainda  conheceremos e de tudo aquilo que já fomos, penso naquilo que seremos capazes de descobrir, aprender e, um dia, construir. Acho, que em certa medida, sempre haverá partes preciosas da existência que nunca chegaremos a conhecer ou, pelo menos, mesmo com muito esforço e empenho nunca chegará mesmo a fazer parte de nós. Entende?

  Você vê o mar, sente o cheiro da maresia, pode ficar por horas contemplando suas marolas, subidas e descidas de água indomável, pode acompanhar a formação de cada onda e o seu fim na arrebentação, pode assistir sua espuma branca espessa se esfacelar aos poucos, tão suaves quantos pétalas de uma flor delicada atirando-se ao solo, mas, ainda assim, o mar nunca fazer parte de você. Ou o contrário, pode vê-lo de relance, da janela de um ônibus de viagem, pela primeira vez, e saber que ele sempre foi você. 

  A vida tem disto, de uma indeterminação mordaz. Nunca estamos certos de sermos bons ou maus em algo até estarmos nele e, muitas vezes, só saberemos depois de passarmos por eles. Quando não há mais possibilidade de volta, de fazermos novamente, porque o tempo era só aquele e pronto. A maternidade, me parece, é dessas indeterminações, nunca se sabe o que é, o que fazer com ela, antes e durante ela, as suspeitas são tudo o que temos.

  Subindo a rua, olhar buscando descanso na lonjura do horizonte, quando passam por mim a família que me arranca da fuga e me traz para o lugar do qual  quase nunca saio, do mar do qual não sei me afastar,  que é essa vida que ninguém fotografa, filma ou só se comove com ela. Uma mãe do lado de sua filha de uns seis, sete anos, empurrando um carrinho com um bebê, nervosa, impaciente, indelicada e dizendo para menina coisas de um jeito tão duro, tão desanimador, tão insano, que eu não consigo ignorar, ainda que não interrompa, me faz ficar ali, na frase, tentando desconstruí-la com o que posso. Da aspereza mais dolorida ela define:
 - Porque a vida não vai ter a paciência que eu tenho com você, a vida passa como um rolo por cima da gente. Não vê nada, nem olha pra nossa cara, só passa.

  Dessa maternidade que desconheço, mas que me afeta profundamente, desse mar que nunca vi e que, portanto, não sei se faço parte, mas que me chama para contemplar quem nele está. Eu não queria explicar para mãe, eu não sei a linguagem das mães, mas queria muito resgatar a filha e dizer a ela, que os rolos não doem sempre tanto, que por vezes nem derrubam e, outras tantas,  derrubam, mas não nos desanimam a levantar de novo. Que para vida há muitos olhares e que para cada um deles a responsabilidade da escolha é nossa, não de outro. Não há olhares repetidos.

   Daquilo que temos, do que ainda conheceremos e de tudo aquilo que somos, penso naquilo que seremos capazes de macular, machucar e até, destruir. As mães não são santas, ainda bem e Deus sabe disto, mas há uma responsabilidade que não se pode abrir mão, são elas as primeiras mãos que nos indicam o caminho pela vida. Perde-se a calma, as ilusões, parcialmente os sonhos, mas o compromisso maior da maternidade é dar a luz diariamente; o parto nunca tem fim.
  O mar que nunca vamos é aquele que melhor conhecemos, bastam os primeiros passos na areia e já esquecemos tudo sobre ele. Sorte a nossa se ele um dia fizer parte de nós. Sorte se aquilo que contemplamos silenciosamente e que entramos sem certeza, for mesmo nosso. A vida é um rolo compressor é opinião da mãe; a vida pede partos diários e intermináveis é opinião minha. Do mar que não fui e que nem sei se existe tenho mais vontade de mergulho do que temor. Neste mar que nunca vamos  não saberemos  se é nosso ou não, se continuarmos distantes. No final, ele é quem  nos dirá .




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