quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Ouça o teu hino

  O caminho do sim é uma sucessão de curvas inesperadas, não há como prever quando uma nova aparecerá, nem se será a última ou só mais uma. Nada acaba em um sim. O sim só conhece começos, seu nascimento desencadeia muitos outros a partir dele. É claro que não há esta cláusula explícita em contrato, nenhuma advertência marcada em vermelho, ninguém que se disponha a estar na porta do sim, explicando, detalhadamente, o que a escolha implicará. Não há má-fé, desejo de engano. Só não sabemos calcular o que virá. Ninguém sabe. Nos limitamos ao rompante de um urgente sim e embarcamos na insólita experiência de tomarmos consciência do jogo já no meio dele.

   Ela recebe com sorrisos, são dezenas de pessoas que a solicitam diariamente e ela quase não modifica a expressão. É, em geral, muito atenciosa, solícita, anota os pedidos no seu bloco laranja, mas antes de qualquer consulta mais aprofundada logo diz que é possível, que tem, que não demora. É simpática, acolhedora, não mede esforços para servir não só o que foi pedido, mas oferecer mais, inclusive o que nem tem. Com o tempo se cansa. Começa a sentir muito requisitada, pouco valorizada - porque oferece demais, espera também demasiado -  pressionada, perde o sorriso, a gentileza e, por vezes, ignora hoje, quem ontem entrava por um tapete vermelho, estendido por ela.

  Porque não entende a lógica do sim. Não sabe que há  uma cascata escondida no que só parecia um simples regato. Não sabe que ao abrir a porta e começar o caminho, outras precisarão ser abertas.  Entrelaçado ao seu sim está o  desejo ancestral de todos nós de sermos amados. E por isso, oferece o que não poderá entregar. Promete o que, mais tarde, sugará suas forças e a fará desistir no meio de uma sinuosidade.

 Porque, fundamentalmente,  ela não entende que um irrefletido sim a levará a um lugar que ela precisa estar disposta a permanecer.

  O amor que ela desconhece, ainda, não é feito de primeiras impressões: é capaz de nascer mesmo em um não. Nasce no lugar que acreditamos ser término. Um amor que não cria expectativas, não corrige vocabulário, não sugere mudanças, não escolhe a roupa que o outro vai usar, mas acolhe exatamente aquilo que ele tem e já é. Nada tem a ver com aceitar  migalhas, se resignar com o muito pouco que lhe dão, mas dar liberdade à intensidade e ao jeito da oferta do outro. Sem esperar por aquelas palavras específicas ou o único gesto exato. O amor, este a que me refiro, não desiste nas curvas, porque sabe andar nas surpresas.

  A garçonete de sentimento deveria dar ao mundo, ou a quem desejar, aquilo que toca dentro dela, nem mais, nem menos. Não deveria inventar o que não tem, nem ocultar aquilo do que é feita. Não é possível que a sua música seja só feita de sim. Deveria, antes de qualquer mesa, se ouvir. Primeiro o som sairia baixinho, porque nasce tímido, quase com medo de desagradar, mas ele vai crescendo, logo vai alcançando as notas mais altas e, de repente, nunca mais poderá ser silenciado.

  Então: este é o seu hino. Ouça-o, aceitei-o, receba-o e então, poderá ofertá-lo agora. Sem pressa, sem algemas, sem desespero de amor.






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