Um muro baixo de placas, um portão com a chave esquecida, que ainda balança na fechadura , uma janela entreaberta e a impossibilidade de atravessá-los por culpa dos pés paralisados, mortos e se eu estiver morta? Se estivesse não pensava, não pesava a dúvida. Morrer é estar para sempre certo. Pensar em um meio de não estar mais ali, mas sem sair, um jeito de atravessar a passagem, mesmo sem certeza. Seguir o desconhecido, que nem som ainda emite, nem cor se vê, nem sabe mesmo se existe.
Eu ontem pensei que talvez fossem os pés que me prendiam, que o escuro é que me imobilizava que a insegurança de estar só ou não é que me deixava no banco frio do corredor, por onde ninguém mais passa. Tentei não pensar muito, porque precisei terminar o trabalho, compreender a desconhecida, organizar a mesa, refazer o calendário, colar mais listas e números de telefones, para os quais eu nunca vou ligar, no quadro com ímãs de sol. Mas logo, pensei que vida mais ordinária é essa que quando um amigo chama, você diz que não tem tempo, adia, pergunta se pode ser depois de amanhã; que a roda gira e você só deita cansada, deixa que ela vá para onde o destino levar; como se destinos fossem pilotos automáticos e nos levassem a uma rota prevista. E que já acorda cansada, fala o telefone cansada, não atende ao telefone cansada. Pensei em que vida é essa que não sorri a quem o olha com curiosidade, que espanta as pombas das calçadas, que reclama do choro do cão, como se eles não pudessem ser tristes, que não abaixa para pegar o tomate que rolou da sacola da senhora à sua frente, que não faz mais amigos, que não canta mais no elevador e nem pergunta para a criança quantos anos ela tem - e elas gostam tanto de responder.
Mas então, enquanto fechava a última gaveta da mesa, uma música veio, saída sabe-se lá de onde. Uma voz rouca, com guitarra, baixo e bateria de fundo me lembrou como os pés andavam, como ultrapassar os muros, os portões e escancarar janelas. Levantei do banco, segui pelo corredor livre de gente e suas censuras. E me senti acompanhada, sem vigilância só acolhimento e um balanço que me pôs em frente a um mar de imensidão brilhante.
Me deixou na sua margem, olhando para ele, poderoso, infinito e vasto de caminhos e me fez olhar sem medo, para as ondas que quebravam na arrebentação. Quem é você que não nunca entra? Quem é você entre a calmaria e o desassossego das águas, recebendo os ventos, observando as irremediáveis rotas da brisa, tão impassível, insensível e imóvel, presa no banco, no corredor, atrás dos muros?
E a força sem nome, sem corpo, sem ciência, só som arrebatador, me arrastou até o meio do mar e me fez querer nadar, me ensinou que nas altas ondas ou aprende ou desiste. No mar de ontem ainda nado. E por muitos dias ainda continuarei, buscando outro lugar que não seja esse da impessoalidade; os braços, as pernas e o fôlego se reforçam, mesmo, no escuro e na turbulência.
2 comentários:
Amanda acho que ja lhe disse que este e um blogue do coraçao, nao
que texto lindo identifiquei me muito.
e bom estar de volta
beijinho e desculpa a falta de pontuaçao e erros mas este teclado tem de ser mudado, esta me deixando louca.
E fazes falta aqui e no Mortal e Rosa...
Fico feliz com o seu regresso!
Que bom que gostou do texto...obrigada! ;)
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