segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Banana, bolacha e batata

    Pelo seu cabelo amarelo e fino, quase as penas de um canário belga que eu tive um dia, jura que continua essa sua dança para sempre? Promete por essas pernas finas e ágeis que não vai esperar parada na fila por amor algum? Por essa gargalhada, só dispensada aos muito íntimos, promete nunca sorrir para agradar ninguém? Jura pela sandália de salto que você calça toda vez que a encontra fora do armário, que vai se equilibrar vida afora, sem medo, nas instabilidades bonitas da vida? Jura?  
  Pela cauda de sereia, com a qual sonha, pela geleia gosmenta rosa que você amassa sem cansar, que deixa cair no chão, no tapete e no sofá, promete que nada será capaz de apagar você, como apagam as marcas da geleia das tramas do tapete?

  Promete por esse coração inflável que você chuta, desenha, amassa, joga para o alto e esquece num canto, para depois recomeçar o ciclo, que vai tratar as dores de viver com  a mesma determinação?  Pela  maquiagem carregada de cor, brilho, sem direção certa, confusão de sombras e batons sobrepostos, jura que vai continuar  falante, única, pulsante, dançarina de corredor, sala e varanda? 

  Banana, bolacha - não é biscoito - com manteiga e batata frita, para comer os sete dias e água a todo o tempo, em copo limpo e só dela - por favor - arrasta o lenço azul pela casa, fica em frente ao ventilador para vê-lo voar. Quatro personagens num dia: pirata, princesa, gueixa e havaiana; teria mais se a tarde fosse mais comprida. Para trança torta dou a solução de entortar a cabeça.
- Coitada da menina, vai ficar com o pescoço assim o dia inteiro?
A menina é ela e ela tem compaixão da menina que é ela.
   O mesmo livro três vezes ao dia, a mesma atenção em cada leitura. Um outro livro,  vez ou outra, com as letras do alfabeto rimadas pelo poeta que eu tanto gosto, mas ela só quer exibir que já sabe os nomes de cada letra. A casa é quente, o vento é morno, mas toda ela é frescor - de músicas, palavras e ideias - tem dez unhas pintadas.
- Vermelha, azul e rosa. Até terminar os dedos, tá?
- Tá bem.

 Dormiu tarde, levantou cedo, comeu bolacha. Assistiu TV e comeu banana; viu que alguém mexia nas panelas e pediu batata para o almoço. Autointitulada "rainha da batata". Aprende uma palavra por dia e a repete ainda sem saber o significado, por causa desse aprendizado em curso, às vezes, as frases saem absurdas e fantásticas. Se não quer conversar, não responde a ninguém. Se quer bolacha, não adianta banana, se quer banana não adianta batata. Só posa para foto quando quer e para quem quer.
  A última a chegar, frágil, pequena e dez infâncias nas costas. Qualquer dia desses aparece por aqui crescida. Mas promete que não largará, ao menos, uma das infâncias pelo caminho?

  Jura pelo lenço vermelho que você esqueceu debaixo da cama, que desistirá do seu cansaço adulto, resistirá até a última gota de lágrima, sangue, suor ou suco de uva - o seu preferido, a cada vez que te pedirem para ser outra, mais obediente e menos tímida? E se tentarem calá-la, algumas vezes até conseguirão, promete que grita de novo ou inventa um jeito novo de dizer o que pensa, sente, quer, ou é?     
  Pelo sol que você pediu, no único dia que choveu, jura que não vai cair na conversa de que todos têm que ter planos, listas com metas e certezas na bolsa, convicções infinitas, partido, time e banda e se desesperar se não os tiver? Promete pelo girassol no seu cabelo que mudará de ideia, de caminho, de música, de preferências, de cardápio e, um dia, de livros, sem achar que só a calma da permanência é paz?

  Jura pelo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura bolo e cata piolho que vai sempre se lembrar de ser a roda de um moinho de criatividade, beleza e ideias que nunca param? Promete por todas as letras do alfabeto que terá opiniões e admitirá as incertezas sempre? E que terá dúvidas; um milhão. Terá medo; um diferente a cada hora. E se chegar lá,  não saberá. Mas se não chegar, também não. Continuará mudando, voltando o caminho, descendo antes da hora ou deixando passar o ponto?

  Lá fora chove forte, mas eu nem consigo prestar atenção nos raios ou granizo. Aqui dentro ferve e ela cresce, a cada minuto. Essa menina vive de sonho. Bolacha, banana e batata são só desculpas para sentar à mesa. Ela carrega dez infâncias, num ombro fino e com uma capa de lenço azul, uma delas é a minha, que ela me devolve a cada vez que se aproxima me chamando para brincar.
  Promete que se perder meu endereço, saberá que eu sempre morei em você e que sou a inquilina mais disponível para dança, leitura, maquiagem e conversa? Promete que continuará cruzando os dedos escondidos a cada promessa, por segurança, liberdade ou teimosia? Jura?



Nenhum comentário: