domingo, 3 de dezembro de 2017

Os furacões também terminam

   Os furacões destroem casas, ruas inteiras, vilas, uma cidade ao sul dos Estados Unidos. Os furacões arrancam árvores de raízes profundas, destroem catedrais, prédios centenários, derrubam tijolos, viram carros nas calçadas, jogam ao chão concretos resistentes, devastam uma cidade ao norte do México.
  Os furacões separam amantes, tiram dos braços amorosos da mãe um dos seus filhos e ela nunca se perdoará por isso, abrem os caminhos para uma enchente, que contamina as águas, que molham as gargantas de inocentes.
  Os furacões destelham lares, destroem salas repletas de porta-retratos, paredes pintadas de amarelo e diplomas emoldurados. Os furacões quebram copos, entortam talheres, derrubam postes de luz , destroem a fiação elétrica; deixam, depois de passarem, um escuro silencioso e profundo.

  Os furacões interrompem festas de casamento, colocam em risco de morte jovens saudáveis com futuros promissores, deixam boas vagas de emprego abertas, sem concorrência alguma. Os furacões mudam prioridades, adiantam despedidas, atrasam burocracias. Os furacões param uma música antes do seu final, estraçalha as cordas novas de um violão recém-afinado. Chamam a morte e lembram da vida.
  Os furacões deixam populações inteiras perdidas, famintas, despedaçadas, desencontradas  do seu lugar para voltar, desesperadas em um presente desolador. Os furacões deixam, depois de passarem, pessoas sem janelas, sem cortinas, sem uma cadeira para descansarem os seus assombros.

  Os furacões geram órfãos, viúvos, gente perdida de um amigo, de um irmão, de alguém a quem amou e nunca disse. Despedaçam amanhãs, mudam os planos; em minutos, os furacões arrastam histórias tecidas suavemente, dia a dia, tornam as linhas finas e coloridas em um emaranhado sem sentido, sem ponta de final ou começo. Os furacões abalam estruturas, destroem plantações inteiras, um dia antes da colheita; enterram mudas, derrubam milharais inteiros e deixam os homens de mãos grossas com o vazio do desacontecimento. Os furacões derrubam móveis, arrancam saias do varal, param os ponteiros do relógio da cidade, antes que a torre seja varrida com ele.

  Os furacões não dão tempo de mais um casaco, uma sombrinha, de uma mochila com os pertences de alguém. Os furacões não aguardam arrumar as malas, conferir se o gás está mesmo fechado e trancar a porta. Não dão tempo para lavar uma maçã e embarcar em transporte seguro até o outro lado do mundo.
   Os furacões não nos deixam revelar um segredo, não nos dá o tempo para fazermos uma pergunta que sempre pairou; os furacões adiam as confissões, quando não as desmantelam por completo. Os furacões deixam, depois que passam, dívidas, medos, traumas, mas afastam as dúvidas e tudo o que não for urgente.

  Os furacões mobilizam bombeiros, médicos, engenheiros, enfermeiros, eletricistas. Os furacões sensibilizam o público que assiste ao noticiário, levam arquibancadas lotadas a fazerem um minuto de silêncio, pelos seus mortos e feridos, antes da partida de futebol.
 Os furacões convocam exércitos com seus uniformes de guerra, seus tanques repletos de comida e água. Os furacões fazem os políticos levantarem da cama de madrugada, escreverem comunicados em seus gabinetes e fazerem ligações importantes. Os furacões passam na TV a cada meia hora, são astros do noticiário das nove e analisados por grupos inteiros de cientistas.

  Mas os furacões não apagam as cicatrizes, as tatuagens tortas de arrependimento, os bilhetes escritos, as cartas que enviamos e que o destinatário já leu, não arrancam as páginas dos cadernos com poemas copiados em letra bonita.
   Os furacões não podem interromper partos naturais, o crescimento do cabelo, a elevação da estatura dos adolescentes, não cessam o aparecimento dos cabelos brancos.
  Não apagam o sol, não afastam da terra os raios solares. Os furacões não protelam uma decisão de vida, não enxergam as individualidades de uma mulher sentada em frente ao seu espelho, enquanto penteia o cabelo. Os furacões não alcançam os sonhos do bebê que a mãe acaba de colocar no berço; mesmo que o quarto seja destruído pela sua potência avassaladora. 

  Os furacões têm nomes humanos, mas os que mais matam são os que têm nome de mulher. Porque, dizem, são os mais subestimados.
  Dizem também que os furacões não podem atravessar as montanhas de Minas e isto não me consola. Os furacões não são somente fenômenos climáticos naturais. Os furacões acontecem com a gente deitado na cama, olhando para o teto, num domingo à tarde e esperando uma mensagem que não chegará. Os furacões nos impulsionam a levantar e correr; sem jeito, sem lugar para chegar. Os furacões são sim altamente destrutivos, movem, movimentam, arrastam, destroem, mas nem eles duram para sempre.





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