domingo, 27 de janeiro de 2019

Meu nome que também é dela

  Mais quatro meses e ela nasce. Não teremos um mundo mais bonito para ela, nem mais árvores nem mais amor; as notícias nos jornais não serão melhores; nas ruas da sua cidade, ainda, terá muita gente desassistida de sonhos, como no ano passado e nos outros; as mãos terão mais armas e ninguém estará mais seguro por isso, nem ela.
  Ela quase chegando e a alegria se instalando em mim, como o mobile delicado que a mãe dela pendurou no seu berço. Alegria de espera, rodopios desassossegados de felicidade, mesmo com todo o medo de que este não seja o melhor mundo que eu gostaria que ela conhecesse. Ela tem mãe, pai, tia, avós, uma cadela e tem a mim também, se quiser.

  Mais quatro meses e eu não preparei nada melhor para sua chegada, os desgovernos se mantêm, as violações aos direitos de quem vive - humano ou não - são cotidianas, seus muitos irmãos continuam sem a sorte dela, que é a de ser muito aguardada.
  Ela quase chegando e eu ainda não bordei nenhuma toalha com o nome dela, porque perdi tempo demais tentando um mundo com flores para além do bastidor. Não deu, minhas mãos doeram antes, a linha acabou e o seu mundo não saiu.

  Mais quatro meses e ela terá os olhos suspensos para este mundo de imperfeição; ela tão pequena, tão brilhante, tão olhos buscadores e verá o que eu gostaria que já não existisse. Menos de um semestre para esta vida de complexidade e beleza chegar ao Rio e a cidade é um pouco mais triste a cada dia; mas talvez muito menos depois que ela chegar.
  Ela  já tem um nome, que é o mesmo que eu tenho e acho que isto nos aproxima mais, ao menos me aproxima dela. Ela já tem um signo que é o mesmo que o meu, e mesmo que eu não entenda nada de astrologia, acho que isso também tem algum significado para nós.
  Pouco mais de cem dias e eu vou conhecer uma existência com quem partilharei nome e signo solar; mas sem nada de novo para oferecer na sua chegada; nem mirra, nem ouro, nem incenso. Talvez poesia, se eu tiver a sorte de esbarrar com alguma antes do seu nascimento.

  O nome que escolheram para ela, que é também o meu, nunca é nosso. Meu nome não é meu. Meu nome é de quem o chama, de quem o ama, de quem pensa nele. É da mãe, avó, tia, pai, tio, avô, vizinhas, professores e amores, no futuro, que não poderão se desviar dele, de pensar nele, de sussurrar e, depois, querer apagá-lo da memória, numa tarde de desilusão.
  O seu nome é marca e, por enquanto, é carregado de desejos de muitos ao seu redor, de um futuro fortuito, alegre, pleno de afetos e paixões. Até ser impregnado de pequenas histórias, suas próprias, as que quiser contar e tantas outras que puder inventar.
  Em quatro meses, meu nome será também o de outra; uma imensa promessa em pouco mais de cinquenta centímetros, talvez. Em meio à lama, ao caos, ao desespero, aos destinos incertos, à insensatez e desamor, ela vai chegar e apaziguar a desesperança.   

  Sorte dela de chegar e ter quem a explique algo, proteja, ame, cante e coloque-a no peito, quando relampear. Sorte a nossa de vê-la desde o seu início, porque a vida é também bonita; e é um sopro.
  Se compararmos à existência de uma tartaruga é um sopro brevíssimo, mas um suspiro mais longo se pensarmos na vida de uma borboleta. É passagem, é caminho de adeuses e encontros. É estação onde os comboios partem cheios de esperança e também trazem muitas desilusões. É plataforma, onde tudo passa e às vezes dói, porque não queríamos que passasse. Tudo passa e às vezes é um alívio quando vai embora, porque não suportávamos mais tanto peso.

  Ela chegará logo agora, com a casa bagunçada, com os cômodos num ciclo infinito de desconstrução e começos, tijolos aparentes, móveis empoeirados, trabalhadores ocupados demais em levantar lajes e derrubar fundações. Chegará entre o sonho e o possível; entre o ideal e o que se tem; queria mais para ela, mas o que eu quero talvez esteja longe demais. Melhor não esperar.
  Ela tem o meu nome e eu não sei se os nossos destinos se aproximarão para além de nome e signo; talvez sim, muito provavelmente não. Ambos não me parecem ruins.
  Meu nome que também é dela é um ajuste de sonho, um adiamento que se concluiu quando pode; é o atrasado, mas não demasiado. É o desejo materno que precisou de duas concessões antes de poder ser; o dela já carrega a vantagem de se estabelecer sem outras tentativas. É um bom começo, como o meu também me parece ser.

  Ela chega em quatro meses e eu já ensaio chamar meu nome, quase nunca o fazia antes dela. Cantarolo, falo devagar e tento encontrar o melhor ritmo para o nome dela, que também é meu.
  Venha, Amanda, saber das dores e das delícias de ser o que se é. Porque eu já a espero antes de saber que você viria. Há esperança, Amanda. Há tanta, hoje, que eu partilho com você.
  Venha saber das cores imperfeitas que você conhecerá da sua janela e, depois, bem além dela. Venha para querer também bordar um mundo com desenhos mais bonitos à outra Amanda e outra e outra e outra. Venha para o que podemos deixar para você, talvez consiga entender e ajudar com a bagunça. Venha.


4 comentários:

Carla Machado disse...

Enquanto Amanda nascerem as esperanças nunca morrerão...

Unknown disse...

Amanda, que palavras mais lindas!!! A tão aguardada neta de minha querida amiga Vera não poderia ter recebido presente mais lindo! Grata por você, menina bonita!!!

Amanda Machado disse...

Sim, Carla, não morrerão! Podem perder a intensidade do brilho por pouco tempo, mas sempre voltam...

Amanda Machado disse...

Obrigada! Que bom que gostou... já é aguardada com muito amor essa menina.