quinta-feira, 13 de junho de 2019

Procuro alguém que sinta a poesia em horário comercial

   Procuro alguém que saiba como ensinar abismos para crianças de dez anos e explicar sobre pontes
que não exigem cimento; e de como essas últimas enganam os primeiros. Aguardo o contato de alguém, em metáforas, que divida o seu saber sobre como  agarrar sonhos pela cauda e fugir, voando neles, pelos basculantes dos prédios de concreto do centro.
   Procuro para relacionamento brincante, nada sério, mas profundo; se souber mergulhar e voltar  à superfície, de quando em quando, para ver o sol brilhar.
  Procuro para dividir expectativas, jujubas, desilusões, chocolate meio amargo, quiosques na praia, cama com colchão de molas, casa de tia, caixa postal, cofre em banco ou poltrona no cinema.

   Procuro uma pessoa que saiba cair e voar, com a mesma coragem, que se perca na seleção de filmes, de comidas e playlist e acabe contemplando o céu, em jejum, ouvindo os sons do próprio corpo: do estômago vazio, do joelho sem lubrificação, dos dedos estalados e das batidas do coração.
   Procuro pessoa sincera que só minta - para mais -  sobre o tempo de vida dos cães e gatos, omita chateações pelos meus atrasos, que silencie em outros idiomas, de preferência espanhol e francês, mas aceita-se italiano também.
  Procuro para dividir quitinete, beliche, quarto dos fundos, varanda com infiltração, dois cactos, cinco violetas e um bonsai.

  Procuro sujeitos com experiência em pôr do sol e nascer do dia; que faça vitamina de banana com aveia, torradas de pão amanhecido e goste de rabanadas no natal. Ofereço as rabanadas, toalha vermelha na mesa da ceia, pai, mãe, irmãos, cunhado, cunhada e duas sobrinhas; para foto, porque para a vida, a conquista é mais longa.
  Procuro velejador de ternuras que não se acanhe com declarações de afeto em público, que dance o Sinatra, o Aznavour e Phill Collins, pelo menos uma vez ao ano na festa de confraternização do trabalho.
  Procuro para dividir angústias, leituras, copos de requeijão, parentes do interior, guarda-chuva e o chinelo de borracha ao lado da cama - para o primeiro a se levantar.

  Busco pessoa sincera que minta sobre a roupa que eu gostei, mas não fica bem em mim, que omita os lugares que gostaria de estar e que eu não posso ir. Procuro um viajante contumaz, que goste de voltar para casa e lave as próprias roupas da poeira da estrada, mas cultive vestígios de cada lugar dentro de si. Procuro homem ou mulher para relacionamento instável, duradouro, sem assinaturas e testemunhas no cartório, mas muitas promessas ao luar.
  Ofereço, em retribuição, cartões de aniversários, páscoa, dia da bandeira, do índio, do livro, do professor, do aluno, do avô e da avó. Aliança de arame do pacote de pão e fidelidade ao sentimento e à liberdade de amar, sonhar, ir, vir e ir, de novo, se assim desejar.

  Procuro alguém que rompa as noites com esperanças azuis, mesmo depois de um dia difícil, pesado ou afogado em desilusões.
 Procuro um secretário ou uma auxiliar de sonhos impossíveis, que me lembre de não abandoná-los na chuva, no medo, no frio, nas idealizações, no estacionamento, nas rotinas, no banheiro do shopping. Ofereço remuneração compatível: a lembrança permanente dos seus sonhos também.
  Procuro para dividir banhos em chuveiro com resistência recém trocada, box blindex ou cortina de plástico com estampa de fundo do mar, água com espuma perfumada, sal grosso ou a pura, só contaminada com os rejeitos dos esgotos das indústrias.

 Busco alguém que amanheça sinfonias, que espreguice notas musicais, boceje ritmos. Que acorde assustado com os pesadelos de queda, morte, nudez pública, bote de jiboia, sopro quente de dragão, que só se console com abraço quente e voz sonolenta:
 - Calma, calma. Foi só um pesadelo, segura a minha mão.
 Procura-se alguém que valha uma dedicatória em um poema, um livro, um quadro, escultura, música, desenho - autorais ou não - uma vida; esta sim completamente autoral - real, inventada ou ambas.
  Procuro para dividir os livros do Foucault, da Beauvoir, os almanaques Sadol, os poemas da Cecília Meireles e as revistinhas da Turma da Mônica.

  Procuro alguém que leia, escreva, declame ou sinta a poesia em horário comercial; entre os afazeres e as revoltas; as guerras e os descansos; entre um contracheque e uma declaração de renda.
 Não aguardo o contato, mas tenho esperança de um.
  Interessados em alma serena e febril, em pessoa com traumas enraizados e curas gigantescas, em doçura e rispidez, goiabada com queijo e tiramissu, tequila e chá de erva-cidreira, insônia e sonos profundos é só enviar metáforas ao universo e aguardar que elas atravessem a minha janela aberta em um bairro qualquer. Cumprimento os curiosos, porque também sou e agradeço aos desinteressados, também sou às vezes. Procuro. Não sei se encontro, mas anuncio aos treze ventos.



2 comentários:

Carla Machado disse...


Adorei o anúncio... só peço que anuncie apenas aos 13 ventos... é mais poético.... Beijo!!!!

Amanda Machado disse...

Gracias!!!
Não! Nós precisamos gritar aos 17...precisamos resistir a todos eles. Beijos!