terça-feira, 13 de agosto de 2019

Aprender a luz como as mulheres de Zanzibar

   Em Zanzibar muitas aldeias não têm energia elétrica. As mulheres que estudam pouco precisam ensinar as tarefas aos seus filhos à luz de um candeeiro, que arde os olhos e sufoca os pulmões. Mas aprender liberta os seus filhos da escuridão em que vivem. Em Zanzibar, sem luz e sem leitura, a vida das mulheres é muito mais dura que a jornada dupla ou tripla das minhas vizinhas. Suas casas cheiram a óleo queimado e a fuligem se espalha pelos móveis e chão da casa, mas as mulheres não desistem de iluminar os amores nascidos delas. As mulheres de Zanzibar precisam dar a luz todos os dias, numa maternidade humana, porque tem defeitos e inumana, porque jamais acaba.

  Em Zanzibar, o banho é frio, o dinheiro é pouco, a comida não pode ser guardada por muito tempo e as mulheres estão no mais baixo patamar da pirâmide social; sem terras, sem bens, sem liberdade e sem escola. Mas mesmo assim  as mulheres permanecem na aldeia, ainda que no escuro.
  Enquanto os homens de leitura procuram outras raízes, as mulheres nunca partem, porque são elas a manterem sempre acesa a luz dos candeeiros.

  De tanto tatearem no escuro, agora, as mulheres de Zanzibar estão indo à faculdade para aprender sobre energia solar. As mulheres não se tornam engenheiras e se mudam para alguma grande cidade; em Zanzibar, são operárias e aplicam o que aprenderam nas casas ao seu redor. Instalam luzes e chuveiros elétricos, compram a primeira geladeira de muitas gerações e continuam a ensinar seus filhos, com pouca leitura, mas agora com luz.

 Uma mulher que aprende, em Zanzibar, liberta dezenas das sombras da ignorância e da falta de luz.
  As mulheres em Zanzibar tem parto com dor, não compram batons de revistas nem sabonetes em caixas. As mães de filhos sem pai, em Zanzibar, esperam a noite chegar, para colocarem os filhos na cama e chorarem sozinhas no escuro. No dia seguinte, depois de desaguado o choro, voltam a instalar as luzes que iluminarão as letras dos filhos delas e de outras.

  A dar a luz também se aprende; assim como a amar ou enxergar no breu. Como as mulheres de Zanzibar eu quero ser capaz de iluminar caminhos. Quero aprender a resistir ao escuro; quero apoiar candeeiros, até o dia em que for capaz de trazer o sol que falta.
  Como essas mulheres eu quero aprender um amor, mas não o romântico das novelas e dos filmes estadunidenses, eu quero um amor que tenha asas. Um amor que voe, um amor que não somente ensine ou que só aprenda, um amor que pule do precipício porque intimamente entende que pode voar.
  As mulheres de Zanzibar me inspiram a querer  avançar na falta; a aprender o que eu não tenho, inventar na ausência; enfileirar candeeiros, caderno após caderno; dar nome às coisas e números ao que não tem nome.

  Como as mulheres de Zanzibar, que são ilhas iluminadas num mar absolutamente escuro, eu quero dar a luz infinitamente, quero aprender brilho e calor e não guardar nada para mim. Como as mulheres, eu quero ter a coragem de não tendo nada meu,  compartilhar o que pode ser de todos.
  As mulheres de Zanzibar choram no escuro, mas não fogem pela manhã. As mulheres não sucumbem ao medo de uma vida sem luz, à tristeza de uma vida sem leitura, à injustiça de homens que não protegem os seus próprios filhos.
 
  Eu preciso aprender a iluminar como as mulheres de Zanzibar, não sei como nem a quem lançar luzes,  eu só não quero deixar minha aldeia nesse aflitivo escuro.






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