embrulhando as memórias de cada um. É uma despedida sem dor, embora as lágrimas caiam há semanas - chorar é também passagem.
O primeiro aprendizado testou a minha voz e, desde então, os silêncios têm sido mais pontuais. A primeira voz custou muito a ser ouvida, a segunda, deixou a garganta em exaustão; aprendi uma terceira, que enquanto ecoa me permite a escuta. Uma voz que é ouvida, mas não cala outras; uma voz com firmeza, mas que não amedronta outras; uma voz que não deseja ser única, porque sozinha não pode nada.
Encontrar a própria voz, enquanto se permite conhecer outras, é um aprendizado longo e infinitamente inacabado. Embrulho a memória, mas já sei que é apenas um vestígio daquilo que não finda.
Os outros aprendizados seguiram, cotidianamente, o primeiro: não sei quando começava um, muitas vezes nem sabia estar nele; só sinto os seus reflexos agora, quando eles me encaram no porto.
Aprendi um amor fácil, declarado em post-its, bilhetes, em abraços diários de chegada e partida. Um amor que não me pede em casamento, não me promete a lua, não rouba a minha solidão, não compra viagens, não visita meus pais no feriado, não me pede para que eu não corte o cabelo, não propõe terapia de casal, aconselhamento espiritual, não planeja fogos na praia, não quer dois filhos, um cachorro e emprego estável. Um amor que já é com o que temos e somos. Um amor "te amo" em lápis coloridos, fácil, sem jogos, sem artifícios e sem enganos; um amor-certeza de 11 meses e a eternidade. Um amor simples que não pede, não mede, não julga, não compete, um amor que só é.
Aprendi com ele, que escreve cartas cujo remetente as recusa sucessivas vezes, a insistir na escrita, no envio, no sentimento. Quero ter os mesmos olhos verde-esperança como os dele, atrás das lentes grossas e não desanimar nas negativas, quero ser menos adulta e mais míope, quero saber querer com insistência e paixão; ver desfocada a imagem, mas nítido o sentimento. Quero saber não compreender impossibilidades e investir afeto em cada nova tentativa, sofrer por um minuto a mais recente frustração e recomeçar uma próxima frase que possa ser, finalmente, a chave da porta da frente.
Aprendi com ele a não entender as vozes que previnem o insucesso; a atravessar os obstáculos dos números, letras e comportamentos normativos por um caminho próprio. Quero, agora, correr sem dramas, sem desilusões duradouras, pelos corredores sérios, só porque ainda existe a carta e o desejo do outro lado do envelope.
Aprendi que o meu medo de atravessar a avenida, o portão, as portas e as teorias era proporcional ao prazer de atravessar a avenida, o portão, as portas, as teorias e o meu medo. E que deve ser assim, também, quando se atravessa o oceano. Aprendi que o medo da viagem não perturba o viajante, se ele embarcar. Aprendi uma coragem tímida de viajar sem a garantia de volta.
Aprendi a medir temperaturas com as costas das mãos, a aliviar tensões com olhares de compreensão, a abraçar o medo do outro e a esquecer o meu. E, de repente, os dois se dissolvem no calor do afeto. Aprendi a ser termômetro em febre alta e sorriso em dia cinzento.
Aprendi a fazer acrobacias em lugares mínimos, a testar a minha elasticidade independente do público, a pedir mais tempo para terminar a prova, uma outra chance de entregar o trabalho, a não achar que está tudo perdido porque esqueci prazos, nomes, coreografias ou datas.
Aprendi que perder o descanso é melhor que perder a conversa, que estar rodeada de pedidos é melhor que ser sozinha. Aprendi que as partes da maçã que eu nunca consigo terminar antes de tocar o sino, nutrem o meu corpo, mas as palavras entre a maçã e a minha fome satisfazem a minha alma.
Aprendi nomes, rostos, histórias atrás dos rostos, aprendi corações, números, músicas desconhecidas, aprendi que a minha fuga mais insistida me levou ao lugar onde não me encaixei, mas vivi intensamente o melhor de mim. Aprendi que não se encaixar não é exceção, privilégio ou castigo; é só um jeito de viver.
Anteontem pela manhã, quebrei a última xícara, de um conjunto bonito, herdada da minha avó, perdi o ônibus ao qual estou acostumada, pisei no canteiro de hortênsias e nunca mais será a primeira vez. Mas nenhuma dessas falhas significará tanto quanto abanar a mão para os meus aprendizados já saudosos.
Meu trigésimo quarto aprendizado começa agora: partir, deixar algo para trás e levar muito mais do que eu trouxe sem pesar a bagagem.
Todos os dias são o primeiro e o último; eu não sabia que ensinar era aprender a embalar memórias na despedida. Eu não sabia que viver é falhar e amar sem ter medo.
2 comentários:
tão linda você e esses aprendizados! Sorte do planeta que a abriga! Rs
Azar do planeta que me obriga! rs
Você é uma das minhas mestras. Aprendo demais com você. Obrigada!
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