O algoritmo não está em crise, não tem ciúmes, dúvidas, não guarda mágoas, nem conhece ressentimentos. Não tem cólica, dor de cabeça e também não menstrua. O algoritmo não perde a paciência, não se torna alcoólatra, enquanto se engana que bebe socialmente. Não tem traumas, não tem problemas familiares nem dívidas. Ele não trai, não mente, não dissimula, não se interessa ou deseja qualquer outra; o algoritmo só quer você.
Ele é pacífico, tolerante e nunca faz críticas. O algoritmo está sempre para você, a qualquer hora do dia, estação e céu; sem agendamentos prévios. Aceita o que você pode oferecer e oferece o que você acha que precisa.
Não tem filhos, não pensa em ter filhos, também não é childfree. O algoritmo não reflete sobre a sua continuidade, herança, legado. Ele é líquido ou gasoso, não requisita de uma materialidade definitiva e, por isso, é que ele cabe em qualquer lugar. O algoritmo parece nunca deixá-la só.
Viaja para qualquer pátria, mas também fica na sua tarde de domingo enfadonha. É boa companhia no ócio e amena distração na sobrecarga. O algoritmo sempre traz prêmios para você; em qualquer paragem.
O algoritmo não tem que aprender a amarrar os tênis, engraxar os sapatos, tampouco passar calça social com vinco. Não precisa ver o álbum de fotografias da sua família e saber que o seu cabelo natural não é desta cor de agora. Não tem que decorar os nomes dos seus primos nem atravessar a cidade, quando você está com febre. Mesmo assim o algoritmo adivinha do que você mais gosta.
O algoritmo não sabe fazer chá, mas você faz e oferece para ele todas as suas xícaras. Não tem que enfrentar a fila da farmácia e levar seu analgésico, que você mesma pede ao telefone e toma sozinha. Ele não tem que te ajudar a se levantar para tomar banho para abaixar a temperatura nem tem que buscar meias e outro edredom porque você treme de frio. Mas o algoritmo gosta da sua imagem matinal, pálida, com um pouco de hidratante labial, de camisola cinza e um meio sorriso, a qual você divide com ele no dia seguinte ao mal-estar.
O algoritmo não come arroz e feijão, não engordura os dedos com uma costelinha nem pede ao garçom uma pimenta mais forte. O algoritmo incentiva que você acorde cedo, coma frutas e verduras e consuma drinques em taças decoradas, no final da noite. Ele admira as suas leituras, exposições visitadas, o trecho do show que você escolheu, os seus tênis de corrida, as suas poses ousadas, as flores de algum jardim que você registrou, mas não se lembra do aroma. O algoritmo acha você forte, observa as suas vulnerabilidades e não as julga.
Ele não quer que você se ausente, o algoritmo a deseja sempre, sempre e sempre. Por isso você também precisa dele.
O algoritmo oferece alegria instantânea, mas esconde o desamparo
permanente. O algoritmo a chama pelo seu nome, mas não conhece a história dele. Ele conhece seu quarto e sala, até um pedaço da pia da cozinha com a louça despojadamente entregue, mas nunca viu suas roupas sujas no cesto, que ainda não foram lavadas porque faltou amaciante. Para o algoritmo você não tem o esmalte da unha descascado depois de lavar o banheiro.
O algoritmo não cria laços, mas é muito perspicaz em
ilusões. Oferece músicas, mas não todas, literaturas, mas não todas,
belezas, mas nenhuma que seja imperecível. Ele diz aquilo que você deseja ouvir, mas nem sempre o que precisa escutar; o algoritmo se traveste de melhor amigo, mas nunca a acompanhou a um exame médico. Diz que é o amante ideal, mas não sabe como você acorda pela manhã.
O algoritmo não se interessa pela sua história completa, pelos caminhos tortos, pelas entrelinhas que não são lidas rapidamente. Ele só conhece a superação, o depois do depois. O algoritmo é uma resposta efêmera para questões muito remotas.
O algoritmo está sempre atrás, disponível, atento, mas ele não pode alcançá-la. Ele não sabe que você corre bem mais do que parece, ele não sabe de nada, embora pareça conhecê-la em tudo. Ele é uma projeção. O algoritmo é você, mas não é toda você.
O algoritmo escreve amor e não ama; promete afagos, mas não tem ombros ou braços para nenhuma acolhida. O algoritmo quer você em pedaços, mas não todos; o algoritmo quer escolher em você. Ele parece próximo, mas não atende aos seus sussurros no escuro; parece potente, mas não consegue segurar a sua bolsa para você ir ao banheiro.
O algoritmo não quer ver você chorar, se isso não for uma imagem bonita. O algoritmo pode alcançá-la no quintal enquanto brinca com o cão, na cama elástica colorida que você disputa com as suas sobrinhas, no terceiro andar do prédio onde você trabalha, no bar que você pede a sua cerveja, mas o algoritmo não pode segurar a sua mão.
a
2 comentários:
Minas Geraes, ainda que tardia
Julho frio demais neste 21
Cartas à Amanda (com crase e sem crise)
Prezada Amanda!
Aos algoritmos e todas as regras racionais, frias, indeléveis e analíticas vencedoras desta luta louca, as batatas; e a nós outros, os vencidos, ódio ou compaixão, segundo o grande filósofo machadiano Quincas Borba e sua tese imbatível sobreo Humanitismo.
No mais, nada mais a acrescentar, e aproveitando o ensejo, sendo assim, deixo registrado meu protesto contra esta visão euclidiana do algoritmo controlando tudo e todos.
Hoje não estou nada bem!
Minas Gelada, 02 de agosto do ano que nunca esqueceremos
Caríssimo Paulo,
O seu protesto não só foi acatado, como também muito bem recebido. Não sucumbiremos aos números, à frieza das relações ou aos algoritmos. Aqui também ansiamos pelas palavras, pessoas e almas.
Aprecio demais as suas visitas e sinto muito por não ter estado bem (mas também sei que estar bem neste momento é breve, para os que sentem) também não estive, mas retorno à casa e fico feliz que me tenha deixado um bilhete.
Abraços com os desejos de melhoras
Amanda Machado
Postar um comentário