Todas as vezes em que nos vimos ele perguntou o horário; em todas as vezes que ele perguntou o horário, eu tirei o celular da bolsa e informei a hora cravada. Mais de uma década de encontros e nunca nos permitimos mudar os rituais. Há mais de dez anos eu me lembro que não uso mais relógio e ele não se importa que eu tenha que parar, procurar o celular e, logo depois, guardá-lo novamente. Nunca achou que era um incômodo e eu também não quis que ele pensasse que poderia ser.
Sempre atribuí uma sintonia nesse movimento: ele se aproxima, pergunta as horas, eu paro, abro a bolsa, busco o celular, seguro o aparelho com as duas mãos, modulo a minha própria voz e respondo à pergunta.
Foi assim que o conheci, foi assim que ele permaneceu na minha vida. Figura de uma só frase e eu, pessoa com uma das poucas respostas que podia oferecer sem dúvidas. Foram anos desse contato de superfície, anos de uma certeza que eu me permitia. Quatro e quinze, vinte para as duas, seis e meia, uma e treze, meio-dia e cinco.
Nos primeiros anos, esperava que se não avançasse o diálogo, ao menos variasse um pouco a temática. Nunca mudou e com o tempo deixei de esperar.
Aprendi a me reconhecer ali, na certeza, na comodidade e no bem-estar que é se instalar no conhecido. Ele nunca me disse o seu nome, tampouco perguntou o meu. Seguimos assim, dois desconhecidos que sabem um do outro, mais do que por um cumprimento ou alguma gentileza intermitente, mas um compromisso, ele com a pergunta e eu com a certeza.
Para ele, as horas, para mim, a interrupção do caminho. Sua figura um pouco torta, um pouco manca, um pouco frágil, um pouco rouca pelo cigarro que nunca o abandona está há tanto tempo por aqui, que eu já nem lembro, se um dia não tive que abrir a bolsa e procurar o celular para alguém além de mim.
Não conheço sua família, seu passado, o que faz com as horas que eu cravo, mas se fico mais de dois dias sem o ver, eu sinto a ausência da sua súbita aparição. Quando ele falta, ando pela rua mais devagar, mais atenta, procurando pela sua saltitante abordagem. Nem todos os dias ele vem. Já faltou por semanas seguidas, enquanto eu me perguntava se nunca mais ele me perguntaria.
Por uma centena de vezes, pensei em comprar um relógio de pulso, que ficaria preso ao meu, mas disponível a ele. Outras vezes, também pensei em, enquanto abria a bolsa, fazer uma questão a ele, mas não avancei em nenhum dos dois projetos.
Cinco e um, doze para as quatro, oito e vinte e três, meio-dia e trinta e sete. Nada além do que sempre tivemos. Já ensaiei andar com o celular mais acessível, talvez no bolso, nas mãos, só enquanto eu descesse a rua, porque nosso encontro tem uma geografia bastante limitada e, então, nossa interação seria ainda mais eficiente, não teríamos o silêncio da espera, da procura, do zíper da bolsa que agarra, do guarda-chuva que obstrui o caminho entre a minha mão e o aparelho celular. Mas, então, o que seríamos? Ainda menos? Ainda mais abreviados? Mantive o zíper fechado, o guarda-chuva dentro da bolsa, o silêncio entre a pergunta e a resposta, o tempo para o trago, o nosso ritual de segundos contados.
Mas sábado pela manhã, uma novidade invadiu a nossa constância; uma surpresa me despiu a certeza e a nossa superfície ganhou uma pequena rachadura. Na manhã nublada, enquanto eu voltava com dois pães franceses para o café e um quindim para a sobremesa, ele apareceu e quando eu já abria a bolsa para buscar a sua reposta, ele mudou o tema. Eu me preparava para os números no visor, para a composição dos números em horas e minutos e ele lançou a mais difícil das questões:
— Quem é você?
Nunca mais a segurança das horas. Nunca mais vinte para quatro, uma e vinte e cinco, três e quarenta e três. Vou ter que me acostumar a essa nova pessoa, cujas perguntas talvez me desestabilizem. Vou ter que me acostumar novamente às dúvidas. Talvez inventemos outros rituais; talvez a próxima questão seja menos impossível.
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