segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Os outros buscam o apoteótico míssil, já você, escava quintais

 

  Os outros querem ser memoráveis, mais do que uma lembrança qualquer, uma imagem idílica do que nunca foram, mas gostariam muito de ter sido. Você não.Você elege o esquecimento, a brancura de uma página, a potência de ainda não ter nascido. 
    Os outros querem suas histórias sob luzes, no palco e uma plateia. Enquanto você transita pelos bastidores, assiste e ajuda a produzir cenas, pelas quais jamais será lembrado. Os outros querem ser vistos; você só quer ver.
 
     Os outros se esforçam diariamente para serem bonitos,  brilhantes, insubstituíveis e incrivelmente interessantes; já você só quer esquentar o pão sem queimar, ferver o leite sem derramar, abrir a porta para o gato ser livre durante o dia e não traumatizar seu filho. Os outros querem ser ouvidos; você prefere escutar.

  Enquanto eles buscam a inacessível eternidade, em filhos, árvores, livros, fotos, promessas, tatuagens, casamentos. Você só deseja a passagem; a caminhada em solo completamente instável. Vertiginosa paisagem da janela de um trem, cujo anúncio do destino não era audível do lugar em que escolheu se sentar.
    Eles insistem na continuação, na paixão fracassada, no afeto esgarçado na boca raivosa de um cão ou estirado de cansaço em um sofá de veludo cinza; já você não resiste ao ponto final, mesmo que queira continuar a frase.
 
  Eles compram vasos de plantas em supermercados e as substituem quando elas morrem de sede ou afogadas; você não desiste do próprio jardim. Quando erra na rega, pede desculpas e espera pelas folhas que ainda virão.
    Eles compram casas para reformar, mobiliar e vender; você só quer enfeitar um lar. Eles querem destruir sem sujar mãos; você não aceita ser o empreiteiro da demolição.
    
    Todos os outros sabem os nomes completos, as datas, as senhas, as semelhanças e as diferenças, que ônibus pegar, a passagem de avião mais barata, o que é mitose, metonímia e quando foi a Revolta das Chibatas, o planeta mais quente, a acidez correta de um solo e o jeito ideal de fazer café, enquanto você desfruta das dúvidas, das confissões de desconhecidos em elevadores e carros de aplicativos e da intimidade com aquilo que ainda não chegou.
    Todos os outros colecionam medalhas, vitórias, linhas no Lattes, promoções na carreira e carimbos no passaporte; já a sua última coleção foi um álbum de figurinhas da seleção brasileira de futebol de 94; incompleta. Faltou o Romário.

    Os outros buscam dar nome ao que sentem, você quer sentir os nomes que eles deram. Os outros buscam o apoteótico míssil, já você escava os quintais. Os outros investem em telescópios, você afia o olho nu. Os outros desejam o céu e as constelações, já você procura pela nascente, pelo ninho do pássaro que acaba de levantar voo com uma minhoca no bico.
    Os outros têm medo da chuva, se encolhem no frio e reclamam do calor. Já você, dança no meio da água, faz um chá para se esquentar na noite gelada e coloca água em potes de manteiga para os cachorros da rua, no verão.
 
    Os outros querem o mapa da felicidade, o caminho das pedras e o pote de ouro no final do arco-íris, já você, só precisa do leão, do homem de lata e do espantalho para seguir a jornada. Os outros querem o fogo, enquanto você conhece o rolar das pedras. 
    Os outros investem em ações, aplicações bancárias, criptomoedas e na carreira de futebol do filho de sete anos; já você, se recusa à máquina do tempo e continua a viagem sem se apressar ou pedir para descer. Os outros querem a explosão, o êxtase, a infinita felicidade, cortando os céus e ocupando cartazes; enquanto você é o arqueólogo satisfeito do próprio quintal. 





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