Eu penso numa imagem com a qual eu queria te presentear: uma casa com paredes brancas e meio muro azul. Uma infância que não fosse órfã, mas comum. Com as dores inerentes a toda infância, nenhuma além do esperado. Uma adolescência que não fosse definitiva, mas ponte.
Uma vida adulta mais simples, sem tantas decisões que a partisse e desilusões que a alcançassem.
Penso, sobretudo, numa varanda. Com a intimidade resguardada por um retângulo aprazível, entre folhas,
flores e cadeiras azuis. Um bebedouro para os pássaros, uma almofada
bordada pela tia Sônia, tapete de sisal e uma mesa baixa para colocar a xícara, os óculos, os livros.
Eu queria te dar essa varanda para que você respirasse, para que você
olhasse para o céu em segurança, sentisse o vento e os raios solares sem
pressa.
Eu só saí hoje porque precisava buscar alguma coisa para te dar. Não sabia o quê nem quanto ou onde exatamente buscar, mas algo que alcançasse e consolasse a suas faltas. Especialmente as dos últimos dias. Aquelas fissuras novas instaladas que ninguém vê.
Queria trazer uma imagem para que você voltasse acreditar, uma fotografia de um lugar ainda desconhecido, mas familiar nos seus sonhos. Queria trazer seu desejo de volta.
Fui à rua para trazer o que te resgatasse, algo que pudesse sustentar, ao menos, os seus próximos dias.
Então, eu encontrei um homem de calça de moletom cinza e casaco de camurça marrom, com cabelos brancos e postura sutilmente curvada, que me lembrou o nosso avô, nos últimos dias dele. Acompanhei com o olhar até onde pude, com a esperança de que ele me levasse até à imagem. Mas ele andava muito mais lento do que eu podia. Virei a esquina e não tenho a imagem.
Pensei que levá-lo comigo não seria o suficiente para salvá-la e, talvez, a deixasse mais triste e profundamente melancólica. Embora eu tenha gostado de vê-lo.
Na outra rua, em frente a um bar com torcedores uniformizados, espalhados entre as mesas de plástico amarelas, vi bandeiras, olhos brilhantes e tensões infantis em homens adultos. Gritos, explosões e, novamente, silêncio. Desamparo e euforia. Não sei se gosta de futebol, nunca te ouvir falar sobre partida alguma, astros, camisas e brasões, então não levei para casa.
Poucos metros à frente do bar, uma casa antiga e um copo descartável, encaixado nas grades da janela doméstica. Era inusitada e também familiar a imagem, mas deixei onde ela estava, junto com o copo e um dedo de refrigerante ainda dentro. Para mim, bastaria para vencer a semana, mas não acho que era o suficiente para você.
Depois, encontrei um grupo de pessoas, carregando gabaritos; garrafas de água mineral, quase vazias e barras de chocolate, quase inteiras, saindo da prova de algum concurso, que também um dia fizemos. Alguns cenhos franzidos e lábios cerrados de tensão passaram por mim e alguns ombros altos e cabeças erguidas também me encontraram. O que será que pensam? Talvez, como nós um dia, que a aprovação aliviaria todas as tensões, os medos, as insatisfações e incertezas. Tive pena, mas lembrei de nós.
Também não trouxe, porque não sei se é uma imagem feliz para você. Acho que tudo me alegra e, por isso, tenho dificuldades em estabelecer o ideal presente.
Um cachorro caramelo me seguiu e embora eu tenha tentado explicar que eu não era a sua dona e insistido para que ele procurasse outras pernas, acabei por atravessá-lo por várias ruas, procurá-lo, esperá-lo e indicar os caminhos mais seguros, até me cansar da missão involuntária, enganá-lo em uma esquina próxima de casa. E desaparecer.
Sabe, talvez eu tenha feito isso, várias vezes, com humanos.
Quis contar isso para você, quis perguntar isso para você: eu já me responsabilizei sem amar? Eu já me comprometi com quem insistiu em me seguir? Mas não acho que me ouviria, como eu preciso ser escutada. Não agora. Então também me esqueci do caramelo.
Andei por uma hora e já escurecia, quando vi uma árvore alta de flores avermelhadas, em frente à mata que cerca o morro, mas já estava escuro e eu não conseguirei descrever a cor da folhagem, embora possa afirmar, com toda certeza, que eram bonitas. Olhei profundamente para a imagem e pensei que no escuro também há beleza. Nada acabado. As folhas que iluminam o abismo. Um presente em ruínas, uma certeza sem luz. Por último, pisei em um sol amarelo, pintado na calçada perto de casa há algumas semanas. É gigante, engoliu o meu pé, mas também não é o presente que eu buscava.
Eu saí para te trazer uma casa de paredes brancas com meio muro pintado de azul e uma varanda, mas ainda não encontrei. Quero salvá-la, mas não sei se posso. Por isso ando e faço promessas de varandas.
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