Quantos poemas faltam para que eu descubra a palavra exata? Quantos versos, estrofes, rimas ou versos livres eu terei que alcançar para encontrar o nome do que eu sinto?
Por quantas líricas terei que esperar para finalmente eu ser capaz de chamar?
Quantos bem-casados ainda terei que guardar na bolsa e comer na manhã do dia seguinte para que as minhas amigas encontrem a felicidade? E se ela não usar véu? E se ela estiver de chinelos, atravessando a rua para levar o lixo até a calçada, antes do caminhão passar? E se ela usar mochila e sapatos para neve?
Quantos pedidos de casamento terei que negar, por quantos ainda terei que esperar, qual eu devo consentir para eu ser verdadeiramente aceita?
Por quantas sessões de análise terei que passar até ser estável? Quantos Freuds, Lacans, Kleins, Jungs precisarão ser lidos para resolverem as minhas questões? Quais os traumas eu ainda não sei?
Quantas senhas eu terei que memorizar até a minha aposentadoria? E quando eu não for mais capaz de me lembrar, quem digitará o meu CPF para a caixa do supermercado?
De quantas tristezas eu terei que me levantar até amadurecer? Quantas ainda serão capazes de me lançarem ao chão? Poderei ser grata a todas, depois do entendimento? Serei capaz de perdoar o meu próprio coração e meus joelhos ralados?
Quantas voltas no quarteirão eu terei que andar para que eu encontre a paz antes da paz?
Quantas alegrias preencherão a minha saudade? Quantas saudades constroem uma biografia? As ausências que não são saudades se tornam fendas ou nada?
Quantos muros eu terei que construir para me proteger? De quantos eu terei que desistir para não me invisibilizar?
Quantas paixões farão meus olhos mais brilhantes? Quantas me deixarão insone, sem apetite e apartada do solo?
Quantas opiniões terei que ignorar até eu assumir a minha liberdade? Que não é leve, tampouco plena, mas é minha. Quantos olhares eu terei que preterir para que não seja o que eles querem?
Um mundo se desfaz toda vez que se toma uma decisão; um mundo novo acontece depois daquele outro
desmoronado.
desmoronado.
Um solo se esfacela sob os pés, toda vez que nos omitimos de uma decisão; um mundo se deteriora em nódoa e naftalina quando insistimos em mantê-lo intocado.
Quantas flores antes do meu obituário? Quantos elegantes vegetais serão sacrificados para esconderem a minha fealdade? Quantos pastos, quantas matas precisarão ser devastados para que os nossos pulmões ganhem alguma importância?
Quantos destinos ainda vamos atravessar? Quantos confirmaremos? Quais abalaremos? Quantos universos conheceremos até sermos capazes de contarmos sobre o nosso?
Um instante acaba antes de estarmos verdadeiramente neles. Tudo é passado. Esse domingo já estará longe quando eu terminar essa carta.
Uma pessoa nos abandona antes de conhecermos completamente suas intenções, seus gostos, suas feridas, seus sonhos, as ruas que errou, os relógios que perdeu. Uma pessoa se apresenta e começamos tudo de novo, esperando sermos outros, com novos erros, mas os equívocos se repetem, repetem, repetem até sermos curadas.
Quantas orações para sermos salvas do engano da grinalda, das flores e da proteção dos muros? Quantas rezas até sermos críveis?
Quantos punhos teremos que erguer para não sermos banidas nem com socos nem com chistes? Quanta doçura é preciso estocar para que a minha negativa não seja uma sentença perigosa?
Quantos gritos até sermos ouvidas? Quanta poesia até sermos genuinamente lidas?
Quantas janelas terei que descobrir para que eu conheça o que é voar sem voltar para me explicar?
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