domingo, 14 de dezembro de 2025

Até que a última linha da semana se apague

    Eu ainda lembro dos vestidos, dos chapéus e, eventualmente, do que ela fazia para sempre ali, cristalizada em um retângulo de algodão com barra alaranjada. 
     Era um conjunto de sete panos de prato, cada um com um nome do dia da semana bordado em linha azul. Em cada um deles, a silhueta de uma mulher sem rosto, porque estava sempre de costas ou de perfil — já não me lembro bem — , com o chapéu, escondendo a sua face. 
 
    Em cada pano, uma cena, um quadro, uma história à qual eu não me cansava de emendar pedaços. A posição da moça no retângulo branco de algodão não mudava, a variação era a estampa do vestido e o que ela fazia em cada dia da semana, evidenciado quase sempre por objetos e paisagem diferentes.  
 
    A mulher do pano de prato era uma moça antiga e rural, cercada por uma natureza desenhada por linhas de um verde vivo e um céu sempre azul com o sol amarelo-gema; o seu vestido era longo e rodado. E eu sonhava com o figurino e a vida tranquila da personagem que vivia no cotidiano da cozinha de casa. A moça bordada tinha vestidos com motivos e cores diferentes para cada dia da semana. Dos vestidos eu me lembro bastante, mas o tema de cada dia já não são tão claros depois de algumas dezenas de anos.
 
    Me lembro do quadro de domingo claramente: uma capela ao fundo, o terço e uma bíblia nas mãos da mulher sem rosto. Terça-feira era o dia de alimentar as galinhas e ela tinha um cesto na mão, com galinhas bordadas ao redor do vestido rodado dela e alguns grãos amarelos espalhados na parte inferior do retângulo. Acho que quarta-feira era o dia de colher laranjas e ela aparecia ao lado de uma árvore repleta de frutas redondas de cores vivas. Havia também um dia dedicado ao jardim. Os outros dias, eu me esforço para lembrar e não consigo. 
    Eu gostava tanto dos panos de prato, das imagens e da moça que, com o tempo, eu passei a temer que eles acabassem. Minha tia é quem os tinha bordado para o enxoval da minha mãe e eu insistia que ela pedisse um conjunto extra para que não ficássemos desassistidas dos bordados bucólicos que preenchiam a minha vida. Minha mãe prometeu que pediria, minha tia nunca mais bordou nada.
 
    Aos poucos, eles foram se desgastando, as linhas nunca se soltaram ou desbotaram, mas o tecido começava a puir. Quando o primeiro deles deu sinais de fim, minha mãe deixou de usá-lo e o guardou limpo e passado para que o desenho pudesse ser reproduzido um dia. Na sequência, segunda-feira e sábado receberam o merecido descanso e com dias da semana a menos, o domingo podia ser usado em uma quinta-feira e o de quinta-feira por três dias seguidos.
    Quando eu vi essa confusão de dias e panos temáticos instalada na cozinha da casa, eu compreendi o valor sentimental das coisas. Minha infância, as histórias que eu criei para moça sem rosto e de chapéu, os vestidos e a vida que eu sonhava também ruíam e isto era vida; um pouco melancólica, mas inevitável. 
 
    Mais tarde, minha tia de mãos artísticas morreu, sem nunca reproduzir o próprio trabalho, os panos de prato de casa eram comprados prontos, a minha mãe começou a ter dificuldades em distinguir os dias da semana e os detalhes daqueles quadros tão familiares começaram a se apagar também para mim. 
    A moça do vestido e chapéu, a mulher sem rosto sempre capturada por afazeres domésticos e bucólicos e tudo o que eu atribuí a ela se desgastou sem volta. De vez em quando, tenho saudades da coleção de dias pendurado na tampa do fogão ou cobrindo um bolo em cima da pia. De vez em quando, tenho saudades da minha tia e da precisão da memória da minha mãe. Mas tudo em volta também se desgasta. 

    Agora os dias da semana na cozinha materna se desfazem como o tecido branco que segurava cada quadro, mas as linhas do contorno da moça ainda resistem. Um pouco frouxas, um tanto desgastadas, mas ainda contam histórias. Um dia, também se apagarão e serão engolidas pela ruína do tecido que as sustentam.
    Nada que dure infinitamente, nenhuma linha que se eternize. Só a memória de que algum desenho bonito existiu na cozinha de uma casa que talvez eu me lembre de ter sido a minha.

 


 

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