terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Não é como trocar de roupa

  Há semanas que eu ligo pra ela, mas ela nunca atende; mando e-mails que ela nunca responde, não sei nem se lê; deixo recados na secretária eletrônica, caixa postal e nada...decido lhe falar pessoalmente, resolvo procurá-la no endereço que ela um dia me deu. É que de repente sua presença me parece tão necessária...queria tomar um café, ouvir ela sorrindo, inventando gracejos, que invariavelmente me consolam, nada demais...mas que faz muita falta, sabe?

  Sigo as instruções do endereço, uma rua ingreme e bem estreita no Centro, sem saída, com casas antigas e numa delas, se não a mais antiga, certamente bem deteriorada, me atende uma senhora já bem velhinha, tão ou mais antiga que aquelas casas todas. Pergunto por ela, a moça que com certa angústia tenho procurado nos últimos dias (ou semanas, meses, anos...tenho perdido a noção do tempo) e ela me diz que ela mora ali sim, mas "eventualmente". O tal endereço fixo, não é nada fixo... Digo que preciso encontrá-la com certa urgência, mas não consigo inventar nenhuma estória convincente, só falo da minha angústia, meus dias longos demais, meu nó na garganta constante e a necessidade de me encontrar com a moça; pergunto por um outro endereço, um telefone que ela não tenha me passado, um parente, um conhecido...mas: nada!

   A senhora me ouve calmamente e diz que entende, que não pode me ajudar, porque a sua inquilina é mesmo assim, some por meses, deixa o quarto ocupado com suas coisas, impossibilitando o aluguel para outros moradores: - Mas paga direitinho, sabe? Quando volta sempre acerta o aluguel todo. É sim uma moça muito alegre, muito simpática, mas também bem inconstante, ela explica. - E esse negócio de não ter nenhuma raiz, nenhum compromisso, pode ser perigoso, não acha? Digo que sim, mas nem sei bem sobre o que ela fala, mas concordo para acabar logo aquele diálogo aflitivo. Quando me preparo para partir, enquanto ensaiava uma despedida, a senhora arrisca: - Nesses casos minha filha, melhor mesmo é esperar pacientemente o retorno de quem a gente procura. Porque essa gente aparece quando bem lhe apetece, a escolha, minha querida, não é sua. Quando tudo estiver de novo propício para a aparição ela vem e fica, fica até cansar...quem sabe um dia fica definitivamente? O que não dá é pra se desesperar e querer hoje, agora...assim você a espanta. Gente desse tipo é muito arisca e determinada também, determinada a só fazer o que quer...

  E assim o meu diálogo com a minha alma acaba, com ela me ensinando, que nesta casa velha cheia dos diversos tipos, a que eu queria não aparece quando eu quero; ela vem quando ela quer. A alma humana é mesmo assim, vive oferecendo os "tipos" que a gente por algum motivo recusa e nos "esconde" o que a gente realmente quer. Antes fosse como trocar de roupa; olhava no cabide e pegava a que mais "combinasse" com o dia, o evento, o tempo...não, mas não é assim. Alma é casa velha, com gentes de todo o tipo, não é como trocar de roupa...

  Enquanto isso, espero (não tão) calmamente o regresso da moça...a casa velha está aqui sempre a sua disposição...caso esteja lendo, volte; mas só quando achar que deve.


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