quarta-feira, 30 de maio de 2012

Simples assim

  A vida não é complicada. Não mesmo. É simples, é clara; a vida é um livro infantil com estorinha curta, desenhos simples em tons pastéis, cujo enredo não cansa, pelo contrário tranquiliza, relaxa, mas que a gente, sabe-se lá o porquê, insiste em ler como se fosse Os Lusíadas. Procura em cada trecho uma ambiguidade, uma metáfora, algo implícito. A vida não se esconde em enigmas, ela é, fundamentalmente, explícita, autoexplicativa.
  Basta ter uma criança a sua frente, fazendo perguntas, que você em outras situações acha muito complexas, para te lembrar o quanto é simples. A Princesinha simpática fala sobre o seu dia, faz algumas perguntas, me presenteia com algumas sugestões (engraçado como todo mundo gosta de me sugerir algo. Isso para uma pessoa que dificilmente pergunta...até ela...mas as dela eu aceito de bom grado, são tão sutis, são tão sinceras e despretenciosas). A Princesinha fala do futuro (o dela é amanhã mesmo) com uma desenvoltura! Ter medo para quê? É uma vida cor de rosa inteira que ainda tem pela frente. E eu bem me lembro que há pouco eu era assim. Nada de angústia, culpa ou indecisão. A filosofia infantil consiste em: "Sonho, logo realizo". Se realiza ou não, não é a questão. Sonhar já é o bastante. Sonhar é construir um mundo paralelo...

  O menino de uns 9 anos entra no salão, enquanto eu estou terminando de cortar o meu cabelo. O cabeleireiro pergunta para o garoto: - E aí qual vai ser, vai raspar? O menino espantado pergunta: - Como você sabe? Não falei para ninguém. O cabelereiro obviamente estava brincando com o menino e, sem querer, acertou. Um menino, mochila nas costas, ainda de uniforme escolar, com um cabelinho em um corte médio da moda, estava decidido, firme. Rasparia o cabelo. Sem a companhia de mãe, nem pai, sem nenhum adulto responsável ele foi acompanhado de coragem e o forte desejo de fazer com seu cabelo o que tivesse vontade. O cabeleireiro ainda tenta demovê-lo, com argumentos nada delicados. Diz que o menino, que é gordinho, ficará com uma cara "de bola", com uma cabeça "de lua". O garotinho constrangido não muda de ideia, nem com as brincadeiras dos outros cabeleireiros. - Quero máquina quatro, por favor, a máquina quatro.

  Sentado na cadeira o menino está altivo, tal qual um rei em seu trono, depois de tomar uma decisão difícil. Embora os outros profissionais ainda ofereçam para cortar seu cabelo mais curtinho, sem a utilização de máquina, ele não concorda. 
- Meu pai fala que a gente precisa encontrar o próprio estilo. Minha mãe diz que a gente é que tem que escolher o que mais agrada. Eu usava o cabelo maior, porque era a minha mãe que gostava, não eu. Passa a máquina.

  Enquanto o cabeleireiro termina de secar meu cabelo, olho para o menino ao lado: olhos brilhantes, sorriso carregado de realização. Quanto menos vasta é a sua cabeleira, mais liberdade reflete sua imagem no espelho. Encontrou seu estilo, escolheu o que ele desejava. Corajoso, cheio de personalidade, decidido e alegre. O garoto me lembrou o quanto a vida é simples. Encontra-se a felicidade até em um salão de beleza. Despeço-me do cabeleireiro, mas antes de seguir meu rumo. Faço a promessa: - Volto para passar máquina quatro, tá? O cabeleireiro sorri, acha que é uma brincadeira. Mas, só eu sei o quanto essa promessa é possível...



Nenhum comentário: