quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ninguém vai tirar você desse lugar

  Ouviu, vizinha do andar de cima? As brigas são mais constantes do que nunca, os abusos só pioram, os gritos irracionais do casal são ouvidos por todo o prédio. Acabou! Só eles não sabem? É claro que sabem, mas continuam a insistir por não saberem para onde seguir sem o outro, por não terem onde ir. Não é amor, não há afeto ali, mas dependência. De substâncias, de um do outro, do mal que cada um causa ao outro. A verdade é que no descontrole que parece a vida do casal eles se entendem, se sentem "seguros" na insegurança da relação "bomba", que vivem. Em uma outra vez, numa discussão mais cômica, de outro casal da rua, ouvi o clichê: "uma relação fadada ao fracasso". Mas nesse caso aqui, é algo mais grave, é uma relação fadada a destruição mútua.

  Depois de um furacão de insultos, acusações e agressões de todo o tipo, o casal continua com a pose de amantes recentes: sorrisinhos, cumprimentos públicos calorosos, numa encenação digna de novela mexicana. E para quem representam, se o "público" acompanha em tempo real as brigas que atravessam a madrugada? Desconfio, que para si mesmos. O casal precisa acreditar que ainda há solução e que em algum lugar, mesmo que seja nos corredores do prédio, ambos ainda têm chance, para os dois ainda não há necessidade de partirem separados para um novo destino. São nos corredores que eles vislumbram um possível futuro ou, no mínimo, um agora.

  E o que eu tenho com isso? Nada, em especial. Só lamento a cegueira alheia e disfarço a minha com os óculos de leitura recém adquiridos, que eu tiro quando quero. A moça também tem um óculos de leitura, seu companheiro, todos temos. O problema é que a gente desobedece a prescrição médica de "usar quando necessário", então usamos só quando queremos. E por isso, não vamos embora nunca, não despedimos, não seguimos outro rumo, não mudamos de sentido, não abandonamos velhas convicções. Preferimos fingir que não vemos e seguimos, acreditando em algum milagre que modifique nossa realidade ou nos tire sutilmente desse lugar.

  Mas o Quintana, que tanto amo, tem razão: "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso". Ninguém vai tirar a moça do apartamento, ninguém vai tirar você desse lugar, porque aquele sucesso brega "Eu vou tirar você desse lugar", é só uma música  antiga, com um personagem bem intencionado. É  uma pena mesmo, mas o seu problema é todo seu, só seu...




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