sexta-feira, 27 de julho de 2012

A trilha que escolhi

  Então todos os dias eu ouço, durante algum tempo, um pouco de música. Porque música é flexível, é sutil; música é a expressão artística que nunca invade, nunca é demais. Com as palavras há de se ter cuidado, não é sempre que são bem-vindas, há momentos que o silêncio é necessário e até aí, nessas ocasiões, uma trilha sonora correta não intimidará aquele que pede recolhimento. A música oferece companhia, sem ser invasiva; é propulsora contumaz das mais diversas lembranças (boas ou ruins), ao ouvir uma música, de repente sou despertada por um cheiro, uma sensação, um sentimento, uma imagem, uma cena, uma pessoa, a música faz isto: desperta na nossa memória, o que até então, dormia um sono tranquilo.

  Cada idade, cada fase da minha vida eu sou capaz de lembrar com maior riqueza de detalhes, quando a trilha sonora específica é executada. Na maior parte das vezes a tal música parece me escolher e não eu a ela, porque o artista não é o meu preferido ou ela nao é tão bonita, se tem letra, não parece descrever tão bem o momento específico, mas ainda assim permanece e tal como a memória, me acompanhará pelo resto da minha existência, suspeito.

  E sintonizando algumas rádios no meu MP3, antes de caminhar, ela aparece. Familiar, cheia de lembranças, com os acordes, que um dia, se confundiram com as batidas do meu coração, ela começa no rádio, nas tais ondas hertzianas e acabam em mim, entra pelas veias, espalha-se por todo o corpo. É aquela música...a música que eu ouvia dramática em um quarto escuro, não sei bem certo se esta imagem é real, mas é o que lembro, enquanto a música toca.

  Eu tinha 12, 13 anos e escolhi uma música muito adulta e que já não era recente, para chamar de minha. E eu só a ouvia quando tocava no rádio (raras vezes). Não sei ao certo a razão de eu não nunca tê-la gravado em uma fita (na época tínhamos em casa um rádio-gravador, cujas funções eu dominava com maestria), eu ainda não sabia, mas eu me poupava do horror futuro que eu sentiria, se a tivesse ouvido exaustivamente, a exemplo de tantas outras. Depois da introdução melancólica, o cantor, desabafa: "Às vezes eu quero chorar, mas o dia nasce eu esqueço", agora quem dá voz a minha angústia pré-adolescente é Milton Nascimento, na época era Marina Lima. Acho que o trecho que eu mais me identificava era "eu não sei dançar tão devagar pra te acompanhar", talvez eu já sentisse, o que eventualmente todos sentimos: o descompasso entre a minha vida e o resto do mundo. Na verdade, acho que eu é que dançava mais lentamente, mas de qualquer forma, eu admitia não saber dançar daquele jeito. 

  Enquanto estava imersa na música, na voz divina de Milton e, principalmente, nas minhas lembranças, a música toca mais forte, parece mais alta e, por alguma razão (talvez maturidade ou uma epifania, quem sabe?) ela se torna mais clara: "e tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar ou outra coisa pra lembrar". Não há imagem mais bonita ("solidão com vista pro mar"), confissão mais sincera ("e tudo que eu posso te dar"). 

  Aos 13 anos eu escolhi a música que só faria sentido quase duas décadas depois...então é isto: o que eu tenho para oferecer é solidão com vista para o mar e eu continuo não sabendo "dançar tão devagar pra te acompanhar". A música acaba, saio para a caminhada e só a ouço novamente quando procuro o vídeo para colocar aqui, não irei atrás dela de novo, mas quando ela visitar-me novamente, certamente eu lembrarei dos 13 e dos 30. Que poder o da música!




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