quinta-feira, 12 de julho de 2012

É na falta que você se conhece

  Quinta-feira à noite, frio, muito frio. Depois do yoga, uma passada rápida em casa para comer algo, colocar mais um casaco e correr para pegar a carona combinada. Chegamos na hora, mas o anfiteatro está abarrotado, poucos lugares no chão, não há muito o que escolher, sou escolhida pelo lugar: meio do corredor, talvez não houvesse um pior...

  Diferente de mim, que saí apressada, cheguei tropeçando e sentei esbaforida, lá na frente da sala a figura plácida da monja, a famosa líder espiritual, cuja palestra todos vieram assistir, fala com uma voz sereníssima, é ainda mais carismática pessoalmente e apesar do espaço grande e de um público maior do que o esperado (imagino) ela não utiliza o microfone, não parece se esforçar, a voz soa naturalmente, calma e bastante clara. Por um momento, penso na motivação de cada um para estar ali. Curiosidade, admiração pela mestre ou religião, o que cada um deseja encontrar no apinhado auditório?

  Enquanto a monja discorre animadamente sobre a história da sua antiga religião, enumera alguns dos preceitos e práticas mais importantes, ela contextualiza os ensinamentos tão remotos às situações cotidianas. Fala do divino, mas de maneira muito humana, atingível. Nada é perfeito. A monja, que fez voto de pobreza, abdicando da vida material, conta sem pudores quando invejou um senhor na rua com carro importado e motorista. Quem nunca achou que o gramado do vizinho fosse mais verde? Ela sou eu, ela é você.

  Depois de mais de uma hora de explanação, a organização do encontro abre para perguntas e, finalmente, entendo que a maioria do público compartilha de uma mesma motivação, para estarem ali numa quinta-feira à noite, friorenta; uma das primeiras questões levantadas é sobre  felicidade/contentamento. É claro que a monja não oferece uma só resposta imediata a nenhuma questão e acho que nenhuma religião verdadeiramente honesta o faz. A título de ilustração, a monja nos relata sobre um interessantíssimo exercício proposto pelo seu grupo, aos seus "aprendizes" espirituais. A proposta era a seguinte: os alunos viveríam por três dias, nas ruas de um grande centro urbano, só poderíam levar um documento de identidade, uma troca de roupa, uma capa de chuva e nada mais. Dormir no desconfortável e inseguro relento, pedir água e comida, conviver com o desconhecido, a possibilidade de ser surpreendido a todo momento, a princípio, parece mesmo assustador, e até irracional, principalmente de maneira voluntária, como neste caso.  Mas os resultados do exercício, relatados pelos alunos, através das percepções diversas de cada um, tinha uma questão comum: a generosidade nas ruas é maior do que, muitas vezes, imaginamos e é possível viver com dignidade, esperança e contentamento, mesmo sob as condições mais desoladoras.

  Enquanto ela conta sobre o desfecho da experiência, penso na estupidez constante de procurarmos em algo, em alguém ou algum lugar, o que só pode ser encontrado dentro de nós. É mesmo um vício alucinante essa busca insensata pelo extraordinário, que só pode existir através do ordinário, do comezinho, do comum. A monja se despede, enquanto me levanto, penso na perna adormecida que volta aos poucos, penso na impermanência das sensações e assim também é a felicidade e o contentamento impermanentes, transitórios. 

  Todos nós, no anfiteatro, fora dele, na rua, em casa, na vida, buscamos por uma existência plena, completa, cheia de coisas e experiências, mas é na ausência, na falta daquilo que a gente toma como essencial, que a gente descobre o que trazemos dentro. Com identidade na mão, uma camiseta e a capa de chuva nas costas, quem você seria? Você seria capaz de sorrir e seguir em frente?

  Eu não fiz o exercício prático, mas tentei me imaginar na experiência. Otimista talvez, pensei que em algum momento eu seria sim capaz de sorrir, encontrar a felicidade na vida aparentemente repleta de ausências. Pensei que talvez eu tenha certo talento para a felicidade, não inato, mas aprendido. E, é reconfortante pensar que felicidade é também passível de ser aprendida. Aprender a conviver com a falta, preenche qualquer vazio, parece contraditório, mas é verdade. Quando você acha que não tem nada mais é quando você pode descobrir que tem sim, absolutamente tudo o que você mais precisa.



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