sexta-feira, 13 de julho de 2012

Não é só na França

  O filme é francês, o filme é uma comédia romântica, o filme é uma típica comédia romântica francesa: tem a leveza das comédias francesas, sem um esforço demasiado para despertar gargalhadas (o que eu acho ótimo); tem as lindas paisagens francesas, até aquelas clichês, mas com uma outra percepção, tem a Audrey Tautou (a Amelie Poulain) e mais um monte de atores franceses...tem comida francesa, vinho francês, música, restaurantes franceses, mas tem uma coisa que não é restrita somente aos franceses: a nossa falta de compreensão com as escolhas alheias.

  A doce moça francesa tenta superar uma grande perda e por isso se enterra no trabalho, distancia-se da vida social, antes aparentemente tão intensa, modifica gestos, cabelo, postura, sonhos e tudo aquilo que a gente muda, quando de repente o mundo todo muda para a gente. Enquanto a família, os amigos e até, os apaixonados por Nathalie tentam resgatá-la da sua dor e trazê-la de novo à vida, a moça segue triste sem as  antigas perspectivas felizes, violentamente retiradas dela. Mas, o filme é uma comédia romântica francesa, não é? Em algum momento Nathalie voltará à luz, não é? E se é um romance, ela voltará para as luzes coloridas, através do amor, não é mesmo? Sim, a moça do filme voltará a sorrir, mas o grande "plot" (núcleo da ação drámatica) deste filme é a maneira como Nathalie se aproxima de um novo amor e, principalmente, como sua escolha por um perfil inesperado, despertará a curiosidade, as dificuldades de aceitação social do novo casal e, o preconceito velado que muitos de nós carregamos.

  Inicialmente, a nova paixão da moça francesa pode nós parecer hilária, impensada e pouco provável, já que nós trazemos conosco, na maioria das vezes, um repertório bem selecionado sobre "o que combina com o que". Embora Nathalie e Markus também carreguem uma série de objeções a nova relação (o medo dele de se apaixonar por ela, o medo dela de recomeçar com outro; a baixa autoestima dele, as dores dela), em um dado momento ambos decidem enfrentar os obstáculos, os que eles mesmos construíram e os que a sociedade ao redor deles, instalou. Então, a partir da coragem de ambos, somos convidados a assistir a subjetividade das razões do amor e por isso somos mais compreensíveis e simpáticos com o casal do que seus próprios amigos. Simplesmente, porque temos a oportunidade de enxergamos o casal de maneira mais íntima, mais interior, conseguimos ver caráter, delicadeza, humor, poesia, coragem, respeito, dignidade e não só um sueco estranho e uma francesa charmosa. 

  E, esta viagem ao "interior" dos personagens é a grande beleza do filme. Porque nos possibilita derrubar estereótipos, preconceitos e o malogrado sistema "o que combina com o que", além de nos explicar os motivos do questionamento alheio sobre as razões das nossas escolhas. Quando a amiga de Nathalie sugere que ela "merece algo melhor", minha amiga que assistia ao filme comigo, disse que chutaria a canela da amiga de Nathalie, eu também chutaria, ou pelo menos teria vontade de chutar...

  Na França, na Alemanha, na Rússia, na Jamaica ou  no Brasil tem sempre alguém questionando uma escolha nossa, seja por amor, amizade, preocupação (não duvido das boas intenções) ou pura intromissão, mas deixar alguém interferir, influenciar e nos fazer desistir de algo que acreditamos também é escolha nossa. Há razões tão delicadas, tão pessoais, tão subjetivas, que só a gente mesmo poderia entender.

  Não é difícil compreender as razões de Nathalie escolher Markus, os gestos simples, as palavras doces e a fragilidade visível são algumas das razões, mas a mais importante o próprio personagem diz na última cena do filme: "me escondi entre todas as idades de Nathalie, me escondi na dor de Nathalie". Todos os outros queriam "puxar" a moça triste de sua dor, enquanto Markus "entrou" na sua dor, para só então tirá-la de lá. E há maior delicadeza do que essa? O filme é "A delicadeza do amor (França/2011)", mas o seu enredo pode ser assistido também fora das salas de cinema. Em qualquer lugar, em qualquer língua, em qualquer  tempo.

  As escolhas são nossas, portanto as razões para qualquer escolha, só nós conhecemos profunda e intimamente. Nunca pergunte-me porque eu amo, só deseje-me sorte.




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