domingo, 22 de julho de 2012

E se o sinal não vir?

  Não tenho nenhuma promessa de que algum sinal virá...
  Eu vou até lá com certa frequência, até acho que poderia ir mais, mas tenho achado tão desgastante as minhas tentativas e por isso tento acumular o máximo de energia antes de visitá-la.
  Da última vez que fui vê-la ela estava na varanda, sentada, acompanhada, logo que me viu no portão, começou a caminhar, sempre com muita dificuldade ao meu encontro. Nossos primeiros olhares sempre me emocionam, ela enche os olhos de lágrimas e me aperta em um abraço macio, quase sempre chora, mas estou acostumada, preparada, logo quebro a emoção inicial, com alguma brincadeira, algum elogio ou pergunta "neutra".

  Passados os primeiros momentos de ternura e certa ansiedade, seguimos juntas até a varanda, puxo uma cadeira e me junto a ela e a sua companhia, que chegara minutos antes de mim. Ficamos os três confortáveis nas nossas cadeiras brancas, mas um pouco desconcertados com o silêncio. Minhas visitas a ela, me arrancam da minha zona de conforto, eu tão acostumada ao papel de ouvinte, sou impelida a falar, falar muito. Ela quase não fala e quando fala, entendo muito pouco, desde o seu acidente nunca mais ouvi uma frase completa, mesmo depois de muitas sessões com a fonoaudióloga a sua fala continua muito limitada. Ela está sempre com um caderno e caneta, que utiliza quando quer se comunicar, mas até mesmo sua escrita é precária. Não deve ser fácil ter que recorrer a outros meios de comunicação, quando se perde aquele mais imediato, mais dinâmico; e ela parece não ter muita paciência para se adaptar, para recomeçar qualquer coisa.

  Emendo um assunto no outro, meus assuntos duram o tempo da sua vontade, de acordo com sua expressão facial, se parece desinteressada ou entediada, passo logo para outro e depois outro, e durante a minha sucessão de "lugares comuns", penso que talvez ela não goste de nenhum deles, porque ela sempre se levanta, impaciente, vai até seu quarto levar o caderno e a caneta, depois, vai buscá-los novamente, vai beber água, tomar um café, enquanto isso, eu e o outro visitante ficamos sozinhos, conversamos os dois. 

  Enquanto ela caminha devagar pelo corredor extenso me preparo na varanda para o próximo assunto, pergunta, brincadeira ou elogio, o repertório precisa ser vasto. O lugar onde ela vive, é muito bonito, cercado de verde e os outros moradores, com os quais ela não mantém e não nos deixa manter contato, são em sua maioria mais velhos do que ela e muito simpáticos. Acho que o lugar tem uma paisagem verdadeiramente bela, flores, árvores, espaço, passarinhos, joaninhas e grilos, mas lamento ela viver em um lugar que não lhe é familiar, tampouco uma escolha sua. Por outro lado, conheço algumas razões que fizeram com que ela fosse levada para lá. Gostaria que fosse diferente, mas não sei como poderia. A teimosia é traço genético, compreendo que ela teria dificuldades em tomar um outro caminho. Eu e ela. Ela, eu e o outro visitante, compartilhamos o mesmo sangue e a mesma personalidade arredia, teimosa e tão cheia de pudores. Somos os três difíceis sim, mas cada um conduziu suas dificuldades por um caminho diferente. Penso que o dela talvez seja o mais árduo.

  Ela ainda anda pelo corredor e eu a vejo ainda moça, aquela cuja beleza, independência, elegância e doçura eu admirava. Cabelos longos, negros, batom vermelho, blusa de seda, saltos altos, bolsa da moda, presentes caros. Depois moça de cabelos curtos, moletom, sem batom, nem saltos. Mais tarde, ainda jovem, deprimida, em uma roupa qualquer, debilitada e o acidente. Dependência, limitações, sequelas, necessidade de recomeço, mas sem o desejo de recomeço.

  Agora grisalha, apesar de ainda jovem, em muito pouco ela lembra a figura admirada da minha infância. Mas, ainda assim, procuro na sua face alguma lembrança, busco nos seus olhos um sinal de esperança, alguma resposta. Exceto a emoção que demonstra ao me ver chegando, nenhuma outra ela demonstra durante a visita. Queria dizer a ela que cresci, nem sei se notou, ela nunca parece surpresa. Queria que ela confiasse qualquer segredo, pedido ou confissão a mim. "Ei, olha só para mim! Sou crescida, ajuízada, lúcida. Conte-me sua aflição, desabafe, se revolte, não me poupe, não me poupe de nada, porque eu sou forte, não me abalo.Olha, de verdade, não tenho dinheiro, direção e talvez nem tanto juízo ou lucidez, mas posso ouví-la e eu quero ouvir, talvez ajudá-la de alguma forma, mas como?"

  Antes de nos despedirmos, ainda fixo meus olhos nos dela, mas nenhum impacto, nenhum sinal de que algum sentimento virá à superfície. Enquanto caminho pelo jardim, ainda lamento sua falta de confiança, perspectiva, doçura, sua falta de empenho e esforço para que sejamos próximas. 
  Seus olhos não refletem nada, nem ao menos seu passado colorido. Mas a minha esperança permanece, eu volto, eu sempre volto. Ao mesmo jardim, varanda, cadeiras brancas, caderno e caneta. Volto porque o sangue chama, volto porque a lealdade, ainda é maior do que todos os meus defeitos e, principalmente, porque a esperança atormenta aqui dentro.


Nenhum comentário: