quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Inútil? Que seja...

  Conheço-a de vista, mora aqui pelo bairro. Já a vi no supermercado, na farmácia, na banca de jornal e outro dia, encontrei-a enquanto ela saía da academia. Parece-me que ela leva uma vida bastante ativa para sua idade, cerca de 75 anos. Levava consigo muitas sacolas, devia ter passado no mercardo antes da sua atividade física, embora andasse segura, firme e com as costas ainda eretas (ela tem uma postura de bailarina. Sempre muitíssimo elegante.), previ que ela teria dificuldades em carregá-las até em casa. Por simpatia, porque sempre a vejo alegre, radiante e muito carismática e talvez por curiosidade, porque nunca tínhamos falado nada além de um "olá". Atravessei a rua e ofereci ajuda com as compras. E ela fez o inesperado.

  Não precisei insistir, nem ao menos, falar-lhe uma segunda vez. Antes que eu terminasse a frase eu já segurava três das sacolas dela. - Ah querida, leve estas aí para mim, que já ajuda bastante. Eu moro logo ali - apontando para a rua principal, bem próximo de onde estávamos. Agradeceu a ajuda e continuou: - Olha, tem gente que não gosta de ser ajudado, minha irmã, por exemplo, tem vergonha de parecer inútil. Eu não, se oferecem é porque querem ajudar e eu quero ser ajudada ou, então, por educação e por educação, eu aceito. E ela sorriu da própria malandragem. Perguntou-me onde morava, o meu nome e outras amenidades. Logo chegamos em frente ao prédio onde ela morava, entreguei as sacolas ao porteiro, ela agradeceu minha ajuda e nos despedimos. Antes que eu continuasse meu trajeto, ela finalizou: - Muito obrigada moça. Você foi muito útil, mas jamais se envergonhe de ser inútil, porque se eu rejeitasse sua ajuda, teria uma amiga a menos hoje. A inutilidade de hoje nos foi útil, não? Sorri, concordei e disse um "até logo".

  A senhora (minha nova amiga), a conversa, sua teoria sobre receber ajuda de estranhos e a sua conclusão pessoal sobre a inutilidade não saiu mais da minha cabeça. Fui para o Yoga, pensando na amizade inesperada, na filosofia que empreendemos em nosso cotidiano e, principalmente, nas nossas atitudes e percepções diárias que podem definir os caminhos entre uma vida com mais suavidade e uma outra mais severa. Ser inútil, ao menos eventualmente, me pareceu ser uma coisa muito boa mesmo. Se a surpreendente senhora se autodeclarava inútil, eu também gostaria de sê-lo e, mais, adoraria admití-lo. E pensei sobre todas as coisas "inúteis", que transformam, profundamente, nosso cotidiano.

  Pensei no tomate cereja da salada, no sorvete cremoso de quinta-feira à tarde, na pipoca quente do cinema, no rímel nosso de cada dia, no enfeite pendurado no carro, no espelhinho da carteira, na sobremesa de chocolate com morangos e os morangos frescos com iogurte...na flor da praça, no palhaço, nas conversas na manicure, no sábado à tarde, na pizza com manjericão, nos balões coloridos, com gás, que sorrateiramente fogem e voam para longe das mãozinhas infantis irrequietas, nos abajures, nas xícaras com detalhes dourados, na porcelana chinesa, no livro de receitas de culinária indiana, esquecido no armário da cozinha, nos passeios a beira mar, areia e água, nas luzes de natal, nos bolos de milho, nas chuvas de verão, joaninhas e grilos, nas estrelas, nos cometas, nos aquários, na lua, na orvalho da grama. Qual a utilidade dessas coisas, se não nos fazerem mais felizes? O inútil é o melhor da vida...

  Ser inútil é não ter uma só função definida, suas maiores serventias são mesmo colorir, alegrar e possibilitar as pequenas mágicas no mundo. Ser inútil, minha amiga tem razão, é tão mais útil...e eu que não me arrisco a ser completamente útil, paga-se muito caro, por algo que, no fundo, não tem valor algum.



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