domingo, 5 de agosto de 2012

Para uma festa que eu não fui convidada

  Atraída pelo barulho vou até a minúscula cozinha do apartamento, a música, o burburinho bom vem do apartamento do 3º andar, não me incomoda, de maneira alguma, é sutil, é alegre, é familiar, uma comemoração, provavelmente restrita a um grupo pequeno. Segundos depois me acomodo na cozinha, resolvo participar da festa para a qual eu não fui convidada, assim, sorrateira, curiosa, da minha cozinha eu compartilho de um evento, um sentimento do qual eu nem sei ao certo. Desconheço os motivos para a festa, tampouco sei quem são os moradores do apartamento, o número de convidados, o tempo de duração da festa. Mas a sensação é confortável o bastante para eu me  espremer na minha ínfima cozinha. Sirvo-me de um pouco de cereal com iogurte, fecho os olhos e imagino o apartamento, os convidados, os motivos para a festa...

  Reconheço a música de fundo e aprecio o bom gosto musical dos anfitriões, a banda inglesa também me agrada, porém a música segue abafada, as vozes e risadinhas dos convidados sobrepõem-se a voz do vocalista introvertido. É a noite mais quente deste inverno, é lua cheia e o céu está estrelado, o cenário é daqueles mais propícios para uma comemoração, qualquer que seja ela. Ouço o barulho típico das festas, o tilintar dos talheres, o barulho suave das taças que acidentalmente se esbarram, a campainha, a porta que se abre, a recepção animada na chegada de cada convidado. Saboreio demoradamente o meu cereal e a companhia alheia, mesmo que ninguém naquela festa tenha ideia de quem eu seja, eu agora sou parte daquilo. 

  Não é aniversário, porque não ouço o típico "parabéns" e, pelo que consigo escutar, não há presentes; não me parece despedida, porque a festa segue sem sobressaltos, sem rasgos de sentimentalismos e isso me agrada; o cheiro, os sons e toda a atmosfera me lembram uma comemoração de reveillon. Mas, comemorar a entrada de um novo ano em pleno agosto, plena quinta-feira, em um apartamento tão pequeno, tão pouco glamouroso? Penso no absurdo de um reveillon em agosto, levanto-me, vou até a pia para lavar o pote agora vazio, sujo de iogurte e alguns farelos de cereal. Lavo, seco, guardo-o, apago as luzes da cozinha e sigo pelo corredor, mas a festa de "reveillon" segue animada, resolvo voltar para ela.

  Constatação banal: todo final do dia é o final de mais um ano, todo começo de dia é um novo ano. Por que não? E se meus vizinhos desconhecidos escolheram comemorar o início de um novo ano agora? Consolada, sento-me novamente na cozinha, agora somente iluminada pelas luzes do apartamento onde o reveillon acontece. E são estas as festas que mais adoro. As que não são para mim, aquelas pelas quais não tenho nenhuma responsabilidade, aquelas em que não conheço ninguém ou quase ninguém, onde eu posso ficar confortavelmente sentada, sem falar nada, sem tentar ser querida ou agradável. As festas em que eu posso ser simples espectadora, quase invisível. Ouvindo, observando, absorvendo as energias mais alegres do ambiente, festas como as que me acostumei a frequentar desde pequena, escondida debaixo de alguma mesa, atrás de alguma porta, sem ser levada para dormir, antes que todos fossem embora. E,  do meu esconderijo "dissecava" cada convidado que chegava: suas expressões, suas preferências com relação a bebida, comida e pessoas, os assuntos que abordavam e, depois, a despedida, via todas,era assim que eu festejava, através do outro eu analisava o sucesso de cada comemoração.

  Eu ontem participei, novamente, de uma festa para a qual eu não fui convidada e gostei. Comemorei o reveilllon, em agosto, da cozinha do meu apartamento, com desconhecidos e não me senti solitária, triste ou louca. Mas, por um momento, eu temi que o meu gosto para festas se assemelhasse ao meu comportamento na vida: mera espectadora satisfeita. E, quantas festas eu terei que assistir até ter coragem para fazer a minha própria?

  Foi só um pensamento infeliz. Os últimos convidados do vizinho do 3º andar acabam de deixar o apartamento, despeço-me dos anfitriões e vou para cama. Amanhã é um novo dia, amanhã começa outro ano, volto para o próximo reveillon, quem sabe ele não aconteça no meu apartamento? Quem sabe...





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