domingo, 21 de outubro de 2012

O ordinário não existe

  Um homem sobe no metrô. É comum, é ordinário, um homem, um metrô, um dia. Para quem só vê até aqui sim. Mas, o que tem além daquela figura masculina de terno ou sem, subindo em um metrô? O homem tem uma história, quem não tem? E a história dele, assim como a de qualquer um é extraordinária, porque todos os dias são assim, feitos de fantásticos acontecimentos. O homem no seu metrô tem sonhos, tem dores, tem um ou mais amores. O homem no metrô sofreu uma desilusão, tentou domesticar seu coração e aprendeu, mas ainda assim continua errando em coisas novas e também nas antigas. A figura desconhecida do metrô tem preocupações, preferências e escolhas tortas, vez ou outra, algumas acertadas. Um homem subindo em um metrô é acontecimento extraordinário, com variadas possibilidades. Vai em busca de quê?A quem já abandonou? Quantos valores mantêm-se dentro dele, quantos outros ele subverteu? Quais os preconceitos do homem? Ele tem medo da morte ou teme mesmo a vida? Onde estão seus amigos? O homem subindo no metrô é único, é maravilhoso e incomum. Penso, digiro, mas não digo. Assustaria o homem, afastaria-o de mim ou a constatação da sua beleza poderia sugerir uma interpretação equivocada.

  Um dia de sol amarelo, ardente, seco é inédito, é visto pela primeira vez por alguém com um olhar novo. Se cinzento, introspectivo e úmido é também de beleza única. Uma pedra, para um homem de olhar comum é só um objeto inanimado, para um poeta é mote inteiro de poesia. Toda vida é fantástica, única e nunca se repete. O mendigo de ontem é um outro hoje. Conhece o que ele tem no coração? Eu também não. Mas há tanta beleza e história.

  A música nova é seu novo amor, e aquela antiga que hoje você ouviu de outra maneira e se apaixonou, parece inédita, não? Não vale desistir, praguejar, muito menos querer ser outro. Só você tem a chance de ser você, aqui e agora. Acha pouco? A moça não sabe o que é fome, é amada como poucos, tem amigos, tem beleza, tem e tem e quer ser outra, quer outras coisas, quer tudo o que não tem. Com os olhos desgastados desconhece suas tantas riquezas. E por isso é pobre. Miséria maior é ter tanto e não saber que tem.

  A criança na escola é um acontecimento delicioso. Imagina ser apresentada as indecifráveis letras, aos assustadores números. E depois passam, se tornam conhecidos, comuns e desgastados. Por quê? A menina anda pelo pátio com a sua única amiga, para em frente a uma sala com alunos mais velhos, encostada  na pilastra marrom, observa o quadro cheio de lições e ela lê, pela primeira vez, sozinha, ela descobre que sabe ler. Emocionada, a menininha  vê sua alma extrapolar o próprio corpo. Sua vida jamais seria a mesma; aconteceu em uma tarde de quarta-feira, quando ela "decifrou" a palavra "panela" no quadro negro, antes tão austero, agora tão amigável. Ela tinha 6 anos, leu "panela" e chorou de emoção. E isso acontece todos os dias. Com tantas meninas mundo afora. Porque é disso que é feito a vida, do extraordinário.

  Um homem subiu no metrô e eu me despedi, sem pudor nenhum abanei a mão e o corpo todo, numa emoção desconhecida e improvável; fui correspondida. Eu amei o homem desconhecido do metrô e isso deve ser o verdadeiro amor ao próximo. Eu olhei para a cidade de pedra cinzenta pela primeira vez e não tive medo do seu tamanho, porque este é também o material da vida, o desafio.A despedida da sua zona de conforto.

  O homem se foi, a cidade ficou para trás, a "panela" já foi aprendida há tanto tempo, mas cada homem no metrô, cada cidade nova e toda vez que olho para a palavra panela, parece-me tudo novo de novo. Há dias que meu olhar carrega alguma nódoa de velhice, mas na maior parte das vezes é o novo que eu trago comigo. O ordinário é o olhar, porque tudo o que existe é só o extraordinário. Disso eu bem sei.

                

4 comentários:

Unknown disse...

Olá! Adorei seu blog, os textos são ótimos! Identificação total!!! parabéns! Se tiver um tempinho, apareça no meu cantinho também, será um prazer! Um abraço!
http://www.asomadetodosafetos.blogspot.com.br/

Anônimo disse...

Lindoooo amiga! Ainda mais hoje... ;)

Amanda Machado disse...

Que bom que gostou e se identificou. Um abraço! Obrigada

Amanda Machado disse...

Obrigada, amiga. Já é uma forma de estar perto, né? Beijo ;)