quinta-feira, 14 de março de 2013

Fica logo ali o paraíso astral

  Topada do dedo na parede dói, não dói? Mas pode ser bom.
  E foi assim, no corredor curto, já tão sem mistérios, tão sem surpresas, tão familiar, e por isso mesmo substimado, que bateu o dedão com toda a força, fosse pressa, falta de jeito, não sei. Só sei que foi, bateu certeiro o dedo na parede. Topada dessas de "ver estrelas", não as românticas, cintilantes, mas as constelações  que latejam, gemem, gritam. E antes de despejar os maiores impropérios contra a parede, ao mundo, a si, sorriu. Gargalhou. Alívio; felicidade genuína, por ter poupado o outro dedo, o sempre mais frágil, o eleito costumeiro para este tipo de acidente. Foi o "outro" que pôs-se a frente; escudo solidário, amigo generoso que sofrera a topada. 

  E por isso a gratidão profunda, o reconforto da situação menos desastrosa. - A plenitude deve ser isso. Sugeriu. Felicidade por tão pouco, alegria estúpida por nada; não pela expectativa correspondida, não pelo objetivo tão batalhado. Mas, por um dedo frágil poupado. E lembrou que o aniversário se aproximara e pensou naquela estória toda de "inferno astral" (sequência desastrada de acontecimentos que antecedem à data festiva). Estava salva pelo seu contrário. Porque se temos um inferno, temos também um paraíso. Não bater o dedo mais sensível era um pequeno paraíso. Sentimento de gratidão, plenitude, acolhimento, conforto por estar, fazer e até mesmo ser neste tempo do agora. Nestes segundos tinha um paraíso só seu, que ninguém, nem nada poderia abalar, porque estava dentro de si, seguro, invisível, indisponível aos outros.

  E o paraíso estava sempre à mão, lembrou, enquanto esfregava o dedo corajoso. O paraíso astral era a sucessão de bons acontecimentos que antecediam a uma pequena má notícia sempre superestimada e talvez  por isso esquecessem tanto do tal paraíso.

  O paraíso astral ficava ali, entre aquele banho despreocupado de sábado à tarde e a soneca do domingo depois do almoço, entre o elogio do chefe e o sorriso da senhora a quem você cedeu o lugar no ônibus, metrô ou trem, próximo ao passeio de bicicleta com o vento no rosto no final de um dia de verão azul e a sensação de chegar cedo ao encontro para o qual já saiu atrasada, estava na pipoca salgada na medida, no chá morno (nem tão quente, nem tão gelado), na fatura do cartão surpreendentemente mais baixa do que esperava, no filme que pegou pela metade na TV e foi maravilhoso, no telefonema com número confidencial que você corajosamente atendeu e era alguém com quem desejava tanto falar, na palavra certa, no silêncio reconfortante, no horizonte alaranjado que avistou do carro, no trânsito caótico, no resto de suco gelado na geladeira quando a sede batia implacável, no sinal fechado bem na hora que você atravessava a avenida conturbada, na notícia inesperada e boa, nas flores "por nada", na vela perfumada no fundo da gaveta que você nem se lembrava e naquilo tudo que lhe parece pouco, pobre, nada, mas que são os verdadeiros tesouros de uma pessoa.

  O fato é que a vida segue assim: o paraíso astral acontece, passa e você nem vê. Que tolo é você. Que tolo. O Paraíso Astral fica logo ali, mas você não enxerga porque insiste é no Inferno...
Olhou para o dedo machucado, para a parede sádica e bradou: - Bateu neste, mas tenho outros nove! Se fraturou ou se curou, não sei, mas a topada foi-lhe de grande valia, isto foi.



8 comentários:

Unknown disse...

Olá, Amanda!
Muito bom, o texto! As vezes o aproveito que fica da situação, é tão bom, quanto. Abraço! www.beabadosucesso.com.br

Carla Machado disse...

As vezes, o que importa é a maneira com que olhamos para o copo d'água: se ele está meio vazio ou meio cheio. Beijo!

Amanda Machado disse...

Que bom que gostou, Fábio! Abraço!

Amanda Machado disse...

Ou o conteúdo...água pra quem tem sede, espumante para quem quer comemorar... ;)

Anônimo disse...

Adoro a sutileza de suas palavras e o do seu jeito singelo de ver essas pequenas delícias e alegrias. São elas, sem dúvida, que fazem toda diferença. O clipe tbm é uma gracinha ^^
Comecei bem a sexta-feira =)

Beijos!

ps: marquei "emocionante" nas reações, mas o que queria mesmo era dizer: Que fofo! hehe

Amanda Machado disse...

Achei o clipe bem "Paraíso Astral", levinho, simples, descomprometido e alegre...que bom que fizemos sua sexta começar bem!Beijão ;)

Ana disse...

E como e adoro os momentos de paraíso astral, quando estou no inferno tento lembrar-me desses,por aqui há um ditado que não sei se conheces mas diz que não há mal que dure nem bem que perdure!

Amanda Machado disse...

Aqui esse ditado também é bem usado sim e diz muito sobre as dores que cismamos em valorizar.