sábado, 27 de julho de 2013

Do esquecimento

  Ontem completou cinco anos e eu não me lembrei. Desculpe-me pelo esquecimento, mas minha memória sempre se prendeu mesmo a datas felizes. Ontem fez cinco anos que o azul mais profundo que eu conheci apagou-se e eu não percebi; ano que vem me esqueço de novo. A vida toda tenho sido assim. Herança boa essa que alguém me deixou, não sei se foi você, desconfio que não, mas nunca saberei ao certo quem me deixou o presente que tenho agora, talvez eu mesma, por que não? Esse jeito como eu sempre vi a vida, tão extraordinária, acontecendo por todos os lados o tempo todo. Quanta riqueza agora que eu não posso compartilhar com você. Ou terá você visto tanto, tudo, demasiada beleza de cansar-lhe os olhos, que planejou fechá-los? Não sei. Sempre fiz perguntas a um limite razoável, quando acho as interrogações complexas demais, termino com elas; uma pergunta sempre abre possibilidades para novos textos.

  Queria que soubesse que ontem não foi um dia importante para mim, queria ser perdoada por ser tão pouco cerimoniosa com as perdas, saiba que é uma espécie de proteção e nunca desapego. Queria que soubesse que estou cada vez melhor, mesmo quando os dias são ruins. Não sei se pode me entender, talvez sim. Tenho crescido, sabe? De um jeito diferente, porque há muito não ganho mais altura e para sua informação e alegria, nem mesmo meu peso tem sofrido tanta modificação, porque você sempre se preocupou com isso, não é? É engraçado quando lembro deste seu jeito. Lembro de você com tanta alegria, que chego a pensar que talvez você não tenha sofrido minimamente nesta vida, apesar de ter sido tão dramático nas suas lamentações.

  Tenho sonhado cada vez menos com você, tenho tido lembranças cada vez mais remotas do seu rosto e roupas, engraçado que desde que você se foi, nas minhas lembranças você já deve ter rejuvenescido quase uma década. De nós dois, um dia serei tão ou mais velha que você. Inusitado a gente se despedir da vida mais velhos do que nossos avós, pais. Eu já não sinto mais a sua falta como antes, se isto lhe traz algum consolo, mas vez ou outra, queria sentir por um só segundo o peso da sua mão sobre a minha, de tanto querer pareço sentir e essa minha mentira é tão consoladora que logo me esqueço de qualquer saudade.

  Estranho e bom é isto de alguém ser tão importante para nós, que mesmo depois de partir ou permanecendo longe, a gente consiga carregar a impressão da possibilidade do reencontro. E mesmo depois de algum tempo, lembrar de coisas que parecem ter acontecido ontem, ainda que o ontem esteja tão distante. Acho que essa sensação é maior do que qualquer saudade; trazer consigo a existência plena de alguém que não se pode mais ver.

  Espero que não fique ressentido, mas ainda de longe sorrio das suas confusões, imito seu jeito de falar, conto para mais alguém alguma mistura estranha que fazia para comer, da sua voz acabo me esquecendo um pouco, mas do sotaque ainda não, do seu cheiro, que é o mesmo da minha infância, ainda me lembro, mas o que eu nunca me esqueço mesmo, é do azul, desses dos teus olhos. Que vaidoso é você, que deve estar se exibindo por aí, entre as estrelas, mas são mesmo lindos, profundos. E eu me esqueci do dia em que eles se fecharam, ano que vem me esqueço de novo, um dia ninguém mais se lembrará da data, mas desses seus olhos... por onde andará esses seus olhos? Não responda, essa é uma daquelas minhas perguntas retóricas. Porque, no fundo, eu sempre os carregarei aqui comigo e você vaidoso sabe bem disto. Desculpa o esquecimento, mas as lembranças que guardei sempre serão maiores do que qualquer data infeliz. Esta é a minha herança, isto é o que tenho tido de melhor. E hoje eu só queria que você soubesse disto.



2 comentários:

Carla Machado disse...

Sempre me lembrarei dele como alguém que não pede licença para entrar, pois sabe exatamente onde deve estar. Lembrarei dos seus lindos olhos azuis, do seu chapéu, da sua alegria com nossas vitórias, seu andar elegante, da sua sabedoria e do carinho com os netos. Lembrarei, principalmente da sua elegância. Tenho certeza de que ele olha por nós e orgulha-se dos nossos passos todos os dias.

Amanda Machado disse...

Suas lembranças também são lindas...e o que lembramos de uma pessoa, acho que é um pouco de como nós somos...