domingo, 4 de agosto de 2013

Daquele jardim

  Eu sempre morei em apartamentos, eu nunca tive um jardim. Eu ainda moro em um apartamento e quase me contento com o modesto jardim do prédio, cuidado por um jardineiro profissional. Da minha janela, acompanho seu trabalho semanal, invejo o único homem que toca as rosas, que poda os pequenos arbustos e  mantém as bromélias afastadas da umidade demasiada. Queria eu, sobretudo neste ambiente urbano, ter como trabalho o trato com a terra, água e as flores. Não sou a única que contempla o trabalho do homem, dia desses um vizinho atravessou o túnel dos suspiros guardados e confessou ao jardineiro invejar o seu trabalho. O pequeno homem, do meu jardim, não se envaideceu minimamente e respondeu com total desprezo que entregaria tal trabalho a quem quisesse fazê-lo. Ofendidas eu e as rosas perdemos um pouco da cor.

Eu moro em um apartamento, mas sempre encontrei algum jardim em que eu pudesse me refugiar. Do primeiro deles ainda lembro exatamente a disposição das hortênsias, das pedras brancas que ornamentavam a terra escura, das rosas amarelas, dos gerânios alaranjados; da sua população invisível a tantos olhos, as lagartas no casulo, as breves borboletas, joaninhas, minhocas e caramujos; sinto ainda nas mãos a terra úmida, os arranhões de cada espinho, o cheiro das rosas e o toque macio das minhas flores favoritas - hortênsias.

  A vida em um jardim, de longe, é só bonita, mas por dentro é bonita e também difícil. A sinceridade do jardineiro me contrariou, mas só quem viveu junto das flores coloridas, sabe o quão duro é mantê-las bonitas. É preciso superar cada erva daninha, obstáculo que cresce e se espalha mais rápido que qualquer outro vegetal; é necessário que se conheça a quantidade de água que cada planta requista, porque é bastante variável; com a terra é preciso algum conhecimento científico, química, física, biologia e matemática; o trabalho em um jardim requisita habilidade com tesouras e enxadas, delicadeza e força precisam se equilibrar.

  Longe do jardim tradicional, absorvida por um outra paixão e também refúgio; enquanto preparava uma massa caseira o telefone toca, do outro lado, a voz que sempre é capaz de iluminar o meu olhar e que esteve tão sumida. Falamos sobre amenidades, passado, histórias hilárias, até que a erva daninha do jardim dele se manifesta: - Meu pai está com câncer terminal. As mãos sujas de farinha, os olhos cheios de água e um coração sobressaltado, que é confortado, justamente por quem deveria ser consolado. "A vida dá voltas, não é?", ele diz, eu seguro o choro, mas a voz dele não se altera, nenhum nó na garganta, nenhum peso visível na revelação. Ele e o jardineiro sabem do trabalho que a beleza exige. E por isso não se curva, não desiste, não se deslumbra com o que parece, nem se abala com o que realmente é.

  Eu o amo exatamente por aquilo você é, e pelo que faz com sua própria vida, nada é mais bonito que assistir e fazer parte de uma coragem doce de resistir. Você, querido, é roseira que entorta, mas se recusa a quebrar e é por isso que eu gosto tanto de frequentar o seu jardim. Obrigada. Muito obrigada por resistir tão leve, tão pleno e tão florido. Eu nunca tive um jardim em casa, mas conheço gente que parece flor. Tenho um amigo tão determinado a fazer florir qualquer jardim, por mais difícil que a missão pareça. Eu moro em um apartamento e tenho o jardim mais bonito que alguém poderia ter, vejo amigos nascerem, sentimentos perdurarem e gente desabrochar, mesmo quando perdem um galho. Admirável é quem, mesmo a custa de muito esforço, mantém a beleza de seu próprio jardim.



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