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Os espaços abertos mantêm ainda uma natureza discreta, acolhedora e mesmo quando o sol queima, os corpos já tão gelados custam a sentir. Nos intervalos, humanos se transformam em lagartos, em busca dos raios iluminados. Assisto, ouço, não falo, a confusão das minhas vozes interiores, impede que eu quebre o meu silêncio externo. Eu escolho não falar. Não tenho medo da minha voz, nem do ouvidos alheios, calo, para que alguém deseje muito ouvir a minha voz. Imersa em uma profusão de informações, teorias e poesia eu deixo o meu próprio barulho, por instantes seguidos e passo a frequentar um outro universo, gosto dele. Isto eu sei. Deste instante eu gosto e muito. Depois, volto para minha observação e já não sei mais se gosto do que tenho ao redor. Mas continuo. Amanhã eu volto.
Os dias seguem ora com impaciência, ora generosa e em espera tranquila; ora surpresa, ora obcecada; sou mais que uma e nos corredores cheios de desconhecidos, perco várias de mim, depois reencontro; organizo cada uma em seu lugar. E finjo uma placidez quase ridícula. Sou convidada, convocada, impelida a falar e eu me nego sucessivas vezes; é o último dia e eu ainda não sabia se tinham sido bons ou ruins. E quando parecia acabar, quando o silêncio da despedida se aprofundava, minha voz toma o corpo inteiro. Fala de uma viagem, várias viagens, com caminhos errados, desapego de mapas, sem urgências, com contemplação, a voz fala do valor das experiências, das despedidas com saudade, mas sem lamento. A voz fala em seguir em frente, de novas viagens. Todos calam e a minha voz parece grata pela liberdade adquirida. Damo-nos bem a minha voz e eu. Recolho-a; coloco o papel e a caneta na bolsa e desço as escadas, ainda um pouco envergonhada pela aflição da voz recém libertada. Espero que mais um dia passe e, nada. Eu não sabia o que tinha sido ainda.
Relembro a semana anterior, o melancólico reencontro. Voltei para casa sem saber onde acomodar tamanha dor. Eu não sabia onde ou o porquê da dor. Eu precisava de tempo. Para entendimento e quem sabe cura.
Duas semanas habitadas pela estranheza do não saber o que se sente, até que ontem eu vi um homem. Um homem, cuja presença na minha memória era, ainda, a de um adolescente. É claro que todos crescem; é claro que envelhecem. Mas ele era tão outro, tão inteiramente diverso; que eu tive vontade de chorar. Não por ele, que mal conheci, mas por mim, que também há muito sou outra e por todo mundo que deseja cristalizar algum tempo ou alguém. O tempo tem disto de cruel e também bonito, ele imaterializa cada construção que nos empenhamos em erguer. Ele expulsa as possíveis visitas, mostrando-nos cada ruga, cada fio grisalho, sobrepeso e marcas, no adolescente que conhecíamos. Ele prega a placa de "proibido visitar" e os incautos que escolhem ultrapassá-la , arrependem-se amargamente de tê-lo feito.
Eu não sabia, mas esta semana foi definitiva, como todas as outras invariavelmente são, depois do homem-adolescente eu descubro que nas últimas semanas um prédio antigo e um novo, convivendo lado a lado, cada qual sem interferir na estrutura um do outro, independentes, mas com alguma discreta passagem facilitando a circulação de quem precisar visitar ambos, foram erguidos. E é preciso cuidado para transitarmos entre um e outro, sem julgamentos, de melhor ou pior; sem hierarquia, de quem veio primeiro e, principalmente, sem o desejo de querer habitar somente um deles. Ambos já existem e não podem mais ser demolidos. Diante dos olhos tristes do homem que vi ontem eu abandonei a ideia improvável, da ficção, de voltar no tempo, se voltasse seria outra e não eu. Faço as malas, despeço já com saudade do que passou, mas não lamento, contemplo a paisagem, mas sem apego e sigo a viagem da qual a voz falou, a interminável e abençoada viagem.
Um comentário:
Torna-se muito dificil a nossa convivência coma vida que temos e com aquela que planeámos, acho eu. Pelo menos para mim, nunca pensei estyar como estou mas acho que a vida nos escolhe e traz-nos onde é preciso, onde somos precisos e onde o nosso destino nos precisa. Para um bocado fatalista, mas é assim que eu acho que é. espero que a certa altura tudo faça sentido. Acho que fará.
beijo
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