sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Nenhum amor começa depois de um filme ruim

  Ela conta do fim de um namoro para a amiga, não as conheço, mas escuto até o fim. Tenho e assumo esse defeito: sou, quase sempre, mais atenta aos assuntos que não me dizem respeito. Gosto de propor soluções imaginárias ou, mesmo, só ouvir  o coração das ruas. Logo de início, a informação mais dura e sincera: ele tomou a iniciativa do término. E ela fala sem constrangimento, sem voz embargada de vítima ou magoada; só fala.  Pronto, já é definitivo! A personagem-narradora já ganhou minha admiração. 

  E ela faz, para a amiga, uma espécie de retrospectiva sobre o relacionamento do casal, sugere que as diferenças entre ambos, especialmente nos detalhes, ela deixa isso bem claro, seria o maior empecilho para que a relação prosseguisse. Inicialmente, tendo a discordar da minha heroína do dia: - Detalhes? E as pessoas são detalhes, desde quando? A mim, até certo ponto, sempre pareceu-me que as pessoas fossem um conjunto de detalhes e, justamente, esse amontoado de características que nos seduzisse, nos chamasse e nos convidasse a ficar ou partir. Era o que eu pensava.

  E então, ela continua sua defesa pela importância de aspectos muito pontuais: lazer, entretenimento, títulos de livros, músicas, ídolos, filosofias mais humanistas, em detrimento dos tecnicismos, a perspectiva que cada um tinha sobre o céu e as estrelas, o nome do cachorro, a viagem de férias, a paisagem ideal de cada um. Tudo, segundo a moça, corria em direções opostas. Em comum: o desejo de uma família, o bom convívio dos familiares e amigos, a profissão, os níveis de educação, os valores e um desejo mútuo de permanecerem juntos, até ela começar a não querer mais abrir mão do que realmente gostava e  requisitar um terreno maior para os seus gostos, seus hobbies. " - Queria ser mais do que eu sempre fui e menos nós, entende? "

  Ele não entendeu. 

  Passada a explicação, alguns fatos mais específicos e muitas risadas. Ela termina, lembrando como tudo começou: conheceram-se em uma festa da faculdade, ele a chamou para sair, foram ao teatro e depois a outra festa juntos. No dia seguinte, escolherem, como milhares de casais fazem todos os dias, fazer um programa considerado "neutro": cinema. Ele escolheu o filme. "- Péssimo gosto! Um filme horroroso de terror, de quinta e que ele ainda gostou! Não era para ter dado certo e só depois de seis anos eu percebo que aquele filme ceifou qualquer chance de um bom amor, ainda assim, eu insistia por um novo começo, depois de cada filme. Mas, ele nunca entendeu o meu esforço".

  E depois de ouvir um coração desconhecido, entendo sobre o que ela disse sobre detalhes . É que quando chegam, as pessoas quase sempre são ainda pedaços, conhecemos muito pouco sobre elas: um perfume, um jeito de andar específico, uma cicatriz quase imperceptível, uma história engraçada, um toque leve. E o mesmo acontece quando vão embora: são as partes delas que permanecerão na lembrança. E, assim o mundo dos detalhes acaba exercendo mais poder do que os aspectos gerais. À medida que intimidade e afeto vão se estabelecendo, nossas almas se prendem ou abandonam são os pedaços. Se o gosto por filmes de uma pessoa  é grande, nenhum sentimento escapará à crítica implacável. 

  Minha heroína levantou-se, recolheu sua história e deixou-me sem solução imaginária alguma, ela era toda resolução. Mas deixou-me, além da história, a lição sobre os detalhes e isto, a mim, pareceu-me o bastante. Um filme ruim é o suficiente para malograr qualquer sentimento.






2 comentários:

Ana disse...

como entendo... detalhes que na altura parecem insignificantes e no fim fazem toda a diferença!

Amanda Machado disse...

E, não? ;)