terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Ele passa, ela acha graça

  E se o destino atravessar o seu caminho? E se você tiver o privilégio de assistir a engenhosidade desse antigo conhecido misterioso? Vê-lo racional, concentrado, astuto, articulando uma jogada precisa no tabuleiro, onde você é a peça e o espectador, ao mesmo tempo? Afora ficção, historinhas alheias, no noticiário da noite, na vida dela, não se lembrava de tê-lo visto antes, assim tão nítido, tão próximo, tão acessível. Acreditava nele, ainda que não piamente, "acreditava desconfiando", se lhe perguntassem. Não perguntaram, abandonou a desconfiança e agora só carregava, no bolso, a crença. É ele, ele mesmo. Foi ele quem a levou até lá, ao menos naquela noite.

  Depois do mergulho inesperado no escuro, da vista embaçada, corpo mole, do prenúncio de um desmaio -  porque o  mundo para ela, ás vezes, dividia-se entre: pessoas que desmaiam e pessoas que sonham em desmaiar, um dia. Ela fazia parte das que desmaiam; com direito a toda dramaticidade da ação: vozes afastando-se gradualmente, o riso afrouxando, escapando da boca pálida, o distanciamento da claridade, a  entrada sutil na escuridão profunda, a perda completa da consciência do que era. A experiência de não pertencer-se, já não trazia tanto medo. "Acostuma-se a tudo", não é o que diz a sabedoria popular? - e depois da aparente morte, a vida, a comemoração da volta, a graça do susto alheio, porque ela é assim, porque nasceu rindo de tudo, especialmente, das coisas que não têm a intenção de serem engraçadas, gargalhava de qualquer tolice, o engraçado não tem intenção, a graça é completamente despretensão .

  E de volta à luz, tentou achar explicação racional para a falta dela, há pouco. Buscou explicação em cada acontecimento, ação, escolha do dia e não obteve resposta. Insatisfeita, teria mesmo que contentar-se com a resposta repulsiva de : "porque é".  Mais ou menos consolada pela água gelada, música e amigos, quase, distraída ela recebe sua resposta.

  Fim de noite, ela para em um lugar não planejado, só porque algo que ela não queria que acontecesse a levou até lá e só porque foi, teve uma resposta que há dias procurava por toda a cidade. Achou a vida surpreendente e o destino incrivelmente oportuno, pensou que alguém preparava cada detalhe da noite, sem que ela tivesse a mínima noção, achou a vida engraçada e sorriu. Preferiu não contar a ninguém, há coisas muito difíceis de explicar mesmo, eu sei. Levou um dilacerante "não" e sorriu mais ainda. Porque, o mundo dela também dividia-se entre pessoas que enxergavam um "não" a cada "não" e pessoas que previam algum "sim", em meio a tantos "nãos"; e ela fazia parte, desta vez, do segundo grupo. Ah que o destino parece lhe preparar um retumbante sim, minha nobre senhora! E você achará a graça das graças, torço muito para que sim. Afinal, também faço este estilo.

  De volta em casa, ainda atordoada, escreveu no papel amarelo do bloquinho em cima da mesa: "Querido destino, não me espantei, espero que também não tenha se assustado com a minha falta de jeito. Obrigada pela noite. Grande noite! Espero revê-lo, mas caso não veja, sei bem que está aí, a espreita". Pendurou o recado no mural do próprio quarto e foi dormir, risonha.
  E se o destino lhe passar sob os olhos, ache graça, não há mais nada o que se possa fazer, além do riso. E que esperto e generoso ele é!



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