Há dias ela reclama que ele não muda, na verdade, acho que há anos ela reclama que ele não muda. "Não muda nada: corte de cabelo, cor de camisa, lugar para passar as férias, restaurante para dias especiais, até o prato, é uma variação previsível, de um mesmo ingrediente. E eu que mudo tanto, me sinto desacompanhada. Eu sempre andando, ele lá parado. Entende?". Lanço um precipitado "sim" com a cabeça. Respondo rápido um pouco por covardia e um pouco por generosidade. Aos poucos, enquanto ela relata as dificuldades - ou, mais, a falta delas - de viver ao lado de alguém tão previsível, eu começo a perceber que não, definitivamente, não entendo. Porque as pessoas estão sempre mudando, tanto e muito e tão drasticamente, de um jeito de dar pena, medo, gratidão ou tudo junto. Já dei a ela meu "sim" e disparo sucessivos balanços de cabeça positivos, porque ela precisa de alguém que a ouça; é meu segundo copo de água e ela não precisa de análise, sensatez ou mesmo de opinião, ela só precisa ser ouvida e o meu sim covarde a encoraja.
Enquanto ela descreve cada situação, detalha cada dia, hora e segundo de permanência do seu homem, eu penso no quanto nós duas mudamos, conheço-a há muito, por isso percebo, penso sozinha no quanto eu ainda tenho mudado e que isto nunca para. E, que quase nunca nos apercebemos disso, por pressa, por ignorância e, principalmente, por termos contrariados os nossos desejos todos de mudanças. Porque elas ocorrem a sua maneira, na ordem e profundidade que não controlamos, não escolhemos, não programamos. As mudanças vêm justamente quando não queremos, quando estamos muito apegados ao que somos e ao que temos e, então, tudo muda de lugar, hora e jeito, às vezes dói muito, outras a gente só aceita. As mudanças dão ritmo à vida, nos ensinam, nós fazem, se nos apercebemos delas, mudar de perspectiva, janela, paisagem; nos amplia, dá mais vida a nossa própria vida.
Existe parecer não mudar, não perceber a mudança, mas "não mudar" não cabe nesta vida. Até aquilo que nos parece mais permanente, muda sempre. Para os teimosos incuráveis, por exemplo, a teimosia nunca é a mesma, nunca é de um só jeito, tema ou intensidade. Eu que nasci teimando, sei disto. Há tantas mudanças dentro desta permanência: minha teimosia é cambiante, é desdobrável, e com jeito, doçura e muita teimosia do outro lado, ela já foi tantas vezes demovida, superada e completamente ultrapassada, sem nem me dar conta disto, quando dava por mim, ela já tinha me largado só, boa menina, obediente e entregue.
Bebo mais um copo de água e percebo que até a minha sede mudou de gosto. Olho para ela e decido cessar meu "sim", acho que já dei o que ela queria, agora resolvo oferecer o que talvez todos nós, quase sempre, precisamos: uma suave sacudida. - É claro que ele mudou. Ele muda e você não nota, porque até as permanências dele são mutantes, tenho medo que você não perceba e um dia ele mude da sua casa, sua vida, mude a sua insistência em acompanhar as suas declaradas mudanças. Ele muda, cuidado! Ele e os sentimentos dele, estão postos à prova, o tempo todo, como os de todos nós. O cabelo não significa nada, a cor da camisa, o destino das férias, o restaurante ou a comida, tampouco. Pare, repare. Se acha que a vida é a mesma não culpe seu homem, ele quase nada tem a ver com isto, os outros quase nunca têm responsabilidade sobre o que nos tornamos, ou somos.
E eu diria exatamente isto, se antes não engasgasse com a água e considerasse ser um sinal, engoli as minhas considerações. Mas, não fui de toda covarde, antes de nós despedirmos, já saindo do carro dela, eu disse: - O carro, vocês mudaram de carro! Ela confirmou. - Ele muda, viu? Ela me deu o mesmo sorriso de anos, mas já era outro, não era?
Um comentário:
tens toda a razão,mudamos mais quando não damos por ela e ainda mais quando não queremos mudar - acho que é o destino a dar-nos uma rasteira, para nunca dizermos nunca;) - o pior é que às vezes mudamos tanto e quem está mais perto de nós nem o nota, sentimo-nos desconhecidos no meio de conhecidos. outras vezes somos nós que não reparamos que alguém mudou, até que o aprendemos da maneira mais dura...
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