terça-feira, 11 de março de 2014

Muda. Muda sim, que eu sei.

  Há dias ela reclama que ele não muda, na verdade, acho que há anos ela reclama que ele não muda. "Não muda nada: corte de cabelo, cor de camisa, lugar para passar as férias, restaurante para dias especiais, até o prato, é uma variação previsível, de um mesmo ingrediente. E eu que mudo tanto, me sinto desacompanhada. Eu sempre andando, ele lá parado. Entende?". Lanço um precipitado "sim" com a cabeça. Respondo rápido um pouco por covardia e um pouco por generosidade. Aos poucos, enquanto ela relata as dificuldades - ou, mais, a falta delas -  de viver ao lado de alguém tão previsível, eu começo a perceber que não, definitivamente, não entendo. Porque as pessoas estão sempre mudando, tanto e muito e tão drasticamente, de um jeito de dar pena, medo, gratidão ou tudo junto. Já dei a ela meu "sim" e disparo sucessivos balanços de cabeça positivos, porque ela precisa de alguém que a ouça; é meu segundo copo de água e ela não precisa de análise, sensatez ou mesmo de opinião, ela só precisa ser ouvida e o meu sim covarde a encoraja.

  Enquanto ela descreve cada situação, detalha cada dia, hora e segundo de permanência do seu homem, eu penso no quanto nós duas mudamos, conheço-a há muito, por isso percebo, penso sozinha no quanto eu ainda tenho mudado e que isto nunca para. E, que quase nunca nos apercebemos disso, por pressa, por ignorância e, principalmente, por termos contrariados os nossos desejos todos de mudanças. Porque elas ocorrem a sua maneira, na ordem e profundidade que não controlamos, não escolhemos, não programamos. As mudanças vêm justamente quando não queremos, quando estamos muito apegados ao que somos e ao que temos e, então, tudo muda de lugar, hora e jeito, às vezes dói muito, outras a gente só aceita. As mudanças dão ritmo à vida, nos ensinam, nós fazem, se nos apercebemos delas, mudar de perspectiva, janela, paisagem; nos amplia, dá mais vida a nossa própria vida.

  Existe parecer não mudar, não perceber a mudança, mas "não mudar" não cabe nesta vida. Até aquilo que nos parece mais permanente, muda sempre. Para os teimosos incuráveis, por exemplo, a teimosia nunca é a mesma, nunca é de um só jeito, tema ou intensidade. Eu que nasci teimando, sei disto. Há tantas mudanças dentro desta permanência: minha teimosia é cambiante, é desdobrável, e com jeito, doçura e muita teimosia do outro lado, ela já foi tantas vezes demovida, superada e completamente ultrapassada, sem nem me dar conta disto, quando dava por mim, ela já tinha me largado só, boa menina, obediente e entregue.

  Bebo mais um copo de água e percebo que até a minha sede mudou de gosto. Olho para ela e decido cessar meu "sim", acho que já dei o que ela queria, agora resolvo oferecer o que talvez todos nós, quase sempre, precisamos: uma suave sacudida. - É claro que ele mudou. Ele muda e você não nota, porque até as permanências dele são mutantes, tenho medo que você não perceba e um dia ele mude da sua casa, sua vida, mude a sua insistência em acompanhar  as suas declaradas mudanças. Ele muda, cuidado! Ele e os sentimentos dele, estão postos à prova, o tempo todo, como os de todos nós. O cabelo não significa nada, a cor da camisa, o destino das férias, o restaurante ou a comida, tampouco. Pare, repare. Se acha que a vida é a mesma não culpe seu homem, ele quase nada tem a ver com isto, os outros quase nunca têm responsabilidade sobre o que nos tornamos, ou somos. 

  E eu diria exatamente isto, se antes não engasgasse com a água e considerasse ser um sinal, engoli as minhas considerações. Mas, não fui de toda covarde, antes de nós despedirmos, já saindo do carro dela, eu disse: - O carro, vocês mudaram de carro! Ela confirmou. - Ele muda, viu? Ela me deu o mesmo sorriso de anos, mas já era outro, não era?



Um comentário:

Ana disse...

tens toda a razão,mudamos mais quando não damos por ela e ainda mais quando não queremos mudar - acho que é o destino a dar-nos uma rasteira, para nunca dizermos nunca;) - o pior é que às vezes mudamos tanto e quem está mais perto de nós nem o nota, sentimo-nos desconhecidos no meio de conhecidos. outras vezes somos nós que não reparamos que alguém mudou, até que o aprendemos da maneira mais dura...