Eu não sei o que você sente. Não
posso saber, ainda que o meu desejo de compreensão me traia e me faça
acreditar que sei. Eu não sei. Sei pouco da sua história, só sei daquilo
que escolhe me contar e um pouco também do que antevejo, enquanto
interrompe um pensamento, uma cena e pula para outra, com os olhos
mirando um vazio, uma nuvem de ideia que só você pode enxergar. E, então, percebo
as suas edições e conheço um pouco mais sobre quem é, através do que esconde ou ressalta.
Conheço
alguns gostos, embora nem sempre dividimos os mesmos; não sorrimos
parecido para as fotos, mas, quase sempre, em um mesmo tempo, das mesmas brincadeiras. Se eu me calo, você não
se incomoda, também fico confortável nos seus silêncios; se falo, você
me olha como se importasse muito cada palavra minha, do que fala também não me
canso, acho que é nisto que nos aproximamos - no tempo de
sincronia inesperada. É a empatia que ofereço e acho que igual a essa é a
que pode me ofertar também. A possibilidade de identificação, penso, não se
relaciona com o tempo de convívio, o repertório vasto ou mínimo que
conhecemos um do outro, as memórias que partilhamos ou intimidade antiga,
mas pela resposta a uma pergunta simples e cabal: - Se eu precisasse de
ajuda, a quem pediria?
Sei do que me
fala, tento alcançar as razões de cada mágoa, medo, dessa quase imobilidade que parece sentir agora,
mas não sei exatamente como e o que sente. Ainda assim, continuo
ouvindo, buscando e vez ou outra, falando com a suavidade que eu acho
que as pessoas que nos buscam merecem. E todas serão sempre merecedoras,
independente do passado de más referências, de humores divergentes ou de uma procura com cor oportunista, só porque nos buscam merecem algo de nós, nem sempre o que querem, mas o que temos e decidimos doar de melhor. Ao menos, a suavidade aos desesperados.
Recebo o telefonema de quem eu também buscaria o número, se hoje precisasse, mas não falo "eu sei" ou "eu entendo perfeitamente". Porque há
um universo impossível de compartilharmos, o máximo que podemos é
exaurir forças em tentativas e isto, penso, já é um gesto louvável. Mas
sentir, saber, ter real ideia do que o outro sente, mora na instância da
impossibilidade. É como alguém que nasceu junto ao mar saber o que sente quem avista-o pela primeira vez. Não sabe. Nunca saberá.
Podem prever o encantamento, sentir a maresia da felicidade, querer fazer parte de uma descoberta, só por assisti-la, mas não saberão o que é mesmo vê-lo assim, consciente, pela primeira vez. Quem
nasceu perto do mar, quem nunca soube o dia em que o viu pela primeira
vez, jamais conhecerá sentimento semelhante: amor e medo misturados. Deslumbramento de ver o oceano, de estar bem em frente, finalmente, àquela imensidão. Nunca haverá sentimento equivalente. Não compreendem os que
nascem com o mar disponível sob os olhos, o que é assistir às ondulações ora destruidoras, ora mansas de uma infinidade de água e horizonte, num só lugar. Não sabem que não são a água em demasia, o sal e a areia fina as maiores estranhezas de um iniciado ao mar, mas o vislumbre de um horizonte que sobeja.
Enquanto estou comprometida com o meu interlocutor ao telefone, o cheiro do mar invade minha sala e me sequestra de um sentimento que eu não sei, mas sou solidária. Do outro lado da cidade, alguém desliga o telefone mais consolado, mas antes ouve um convite peculiar: - Vamos à praia um dia desses?
Do que não sei acabo gostando mais, pelo que não sei, mas reconheço necessidade de companhia e afeto, permaneço longos minutos sentada na poltrona da sala, buscando respostas. O mar é mesmo um deslumbre, nisto qualquer um há de concordar, quem nasceu diante dele ou a longos quilômetros de terra apartado de suas águas.
2 comentários:
Só uma coisa me ficou martelando em algum neurônio ainda saudável. Eis aí o poema Revelação do Raimundo Fagner:
Um dia vestido
De saudade viva
Faz ressuscitar
Casas mal vividas
Camas repartidas
Faz se revelar
Quando a gente tenta
De toda maneira
Dele se guardar
Sentimento ilhado
Morto, amordaçado
Volta a incomodar
;) esse é muito bom mesmo!!!
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