Alguns minutos depois, descubro uma dezena de bolhas de sabão, nascendo nos fundos do prédio cinza. Sem intervalos, elas são produzidas em alta escala, quase compulsivamente e chegam depois de uma tempestade cheia de força, invadindo o cinza das paredes e do céu de início de dezembro. Em um canto de uma das avenidas mais movimentas da cidade, bolhas de sabão modificam o cenário pretenso urbano.
A nuvem de bolhas esconde, por algum tempo, o remetente. A névoa de círculos transparentes mantém ocultado o melhor do engarrafamento. Ainda forço a visão, através do vidro embaçado e tento ver quem me deixa submetida à paciência e contemplação, em uma segunda chuvosa com trânsito arrastado. Cansado de passar o dia preso no apartamento, sem poder ir à rua ou à casa de amigos, talvez a mãe tenha sugerido as bolhas e um filho, agora, descobrisse a simplicidade da morte ao tédio.
Procurei a criança, quis ver seu rosto alegre concentrado no trabalho de distrair o aborrecido tempo e de ampliar os espaços do apartamento. Procurei um menino do centro da cidade, que brincasse de uma mesma infância que é, ao mesmo tempo, muito antiga e inexistente ainda. Mas à medida que as bolhas começavam a ser mais espaçadas, um rosto adulto aparecia por trás da cortina provisória. Quem soprava o aro coberto de água com sabão era um homem, sem mãe por perto. É provável que a ideia da distração tenha sido sua e o preparo da matéria prima também tenha sido assumido por ele.
Um homem de quarenta anos, nos fundos do apartamento do qual ele mesmo paga água, luz, sabão, aluguel e condomínio se responsabiliza por uma brincadeira que se libertou da infância e solta no ar o desejo de leveza que é dele. Eu escolhi a música, ele as bolhas. Na prisão dos dias da semana preenchidos de desimportância, no cárcere incólume dos automóveis que nos acorrentam muito mais do que nos levam a algum lugar, na travessia limitada do asfalto e na chuva que nos deixa ilhados do previsível, há de se encontrar alguma liberdade que nos salve; que nos leve a um destino melhor do que o do final da avenida.
Um homem adulto que soprava bolhas de sabão me detém um pouco mais no trânsito, abafada pelas janelas que me isolam dos pingos que voltam a cair lá fora. Não era por ele. Não era pelo cigarro que ele não fumava. Era a sua escolha, a sua pausa, o abandono da urgência. Eram bolhas de sabão, cuja paternidade era assumida sem constrangimentos. Ele traga mais um pouco de ar, regado à detergente, puxa todo ele até o pulmão se encher e assiste a angústia colorida se desprender dos seus lábios e estourar no gramado vizinho ou se prender ao vidro da janela de uma admiradora.
Amanhã ou depois, passeio em frente ao prédio, irei a pé, talvez busque o homem das bolhas de sabão na sua varanda dos fundos ou aceite a transitoriedade da poesia nas bolhas e o esqueça. Enquanto o homem liberta sua inquietude do apartamento do Centro a minha música embala cada incômodo do dia. Vamos como podemos, às vezes, o tempo custa a passar e os espaços são limitados demais, então, abre-se uma janela e uma outra possibilidade pode ser vislumbrada.
A fumaça do cigarro que ele não fumava chegou até a minha janela e se instalou do lado de fora; agora, acompanha meu itinerário, quando eu descer, respirarei o ar de que ela é feita e, finalmente, as duas instâncias se encontrarão: a inquietude abandonada por ele em bolhas e o incômodo acolhido em mim, pela música dos meus fones.
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