Hoje o dia não era bom: a cabeça latejava, os pés molhados já começavam a gelar, a galeria abafada e o atraso incompreendido. Pensou em ir embora, na chuva mesmo, molhar não era o pior, ruim agora era se sentir negligenciada, apertada e sem perspectiva de partida. Foi para ponta da galeria, esperando algum sinal, alguém que disse que viria logo, mas não chegava. Não se importaria com a espera noutros tempos, mas agora, cada minuto passado parecia uma perda irremediável. - Não chega, não vem e se não for mesmo pra ser? Antevia a dor, sentia um nó na garganta, não pela possibilidade da ausência ou do encontro esquecido, o medo era a chegada com atraso. Ver alguém chegar correndo, depois da partida do voo é ainda mais doloroso do que não vê-la. A angústia era a da perda por muito pouco, da quase-vitória, da partida perdida com um gol no último minuto. Perder por muito é sempre mais consolador.
Na beirada da galeria, observava a avenida molhada, cheia de sombrinhas coloridas- a rua ficava bonita em dias de chuva assim - tentava ver sob cada uma delas a sua espera, mas ela não chegava. Já torcia mesmo para que não viesse, que não mandasse mensagem alguma, nem tentasse reparar a desordem que o seu atraso provocava. Até que apontou, na larga avenida, o alguém que disse que viria. Já sorria para ela do outro lado, mas a cada passo mais próximo, ela sentia soltar um pouco mais as suas mãos das dele. A cada metro conquistado ao atravessar cada faixa, maior a distância entre as suas vidas.
- Completamente só. Não há escapatória. Nunca virão a tempo. É preciso não esperar mais. Não esperar que a força de um outro nos ampare na vida.
O avião partiu, a solidão era inevitável. Ninguém espera pelo tempo que não tem. Estava só e não era triste, era a melancolia de uma revelação que acontecia sem preparo; na rua, no meio da chuva. Não, não foi subitamente que aconteceu, só avistou o que já era instalado. Foi a chuva, os sapatos, os cartazes de promoção, os pés molhados, as sacolas dos apressados que riscavam suas canelas, o clima abafado, as sobrinhas com estampas de animal e o nó na garganta, precisava de tudo isto para saber da sua solidão.
Os quinze minutos do atraso de alguém a levaram para a liberdade de saber-se só. Recebeu a sua espera com um abraço suave, não reclamou do atraso, sorriu ao pedido de desculpa, mas o avião havia partido e ela sabia disto. Não era a espera, não era ela, não era o atraso. Eram ambos, o que sempre, todos nós somos, solitários na dor, unidos justamente pela suspeita de que não há um futuro que caibam nós e eles.
O que ela viu atravessar a rua não era um futuro ou alguém que se atrasava ao compromisso, era o passado que sorria amistoso, escondendo dela a solidão que também era dele. Da avenida principal, alguém surgiu com atraso e deu a ela a liberdade de um futuro em branco. O nó na garganta não era choro, era grito abafado de medo de uma revelação iminente. Seguiram juntos pelas calçadas molhadas, mas o avião, para sempre, havia partido. Um dia, quem sabe, falariam sobre o voo. Andavam juntos, ela e a sua revelação, que assim aproximada parecia doer menos.
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