segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Onde dói?

  O que busca quando sai apressado às 7 da manhã na segunda e nem toma um café antes de fechar a porta, não acaricia os pelos do gato, mas coloca água e comida e abre a porta da varanda para que ele tenha um dia mais liberto que o seu? O que teme quando não olha nos olhos do vizinho com quem compartilha o elevador, são só os dois, por que o medo dos olhos do outro? O que espera quando não fala claramente o que quer e deposita no outro as expectativas que ele mesmo desconhece que você sustenta? O que não pode perder quando corre em linha reta e não aproveita as curvas, quando segue o fluxo e não para para ajudar alguém perdido no acostamento? Por que não para? Por que não desliza, não derrapa, não duvida?

   Que tempo é este que faz com que você consulte os relógios a cada quarto de hora? Você já reparou que os ponteiros e você já andam bem sincronizados? Perceba os seus 15 minutos contados. O que faz com que você perca a paciência com a caixa que oferece o cartão da loja, enquanto você espera pelo débito ou crédito? Por que o vendedor de gás, o entregador do mercado e o síndico que batem no seu apartamento no sábado de manhã te incomodam tanto ao ponto de você não conseguir voltar a dormir? Aliás, por que mesmo é que o sono tem lhe faltado tanto? Consegue sonhar em alguma hora do seu dia? Quando a reunião fica muito enfadonha pensa em quê? O que se passa dentro de você poderia ser publicado? Ou é estúpido demais, egoísta demais ou vazio? Está vazio agora? Não minta. Mesmo que seja um costume muito arraigado, não minta, admita para você. Ouça você.

  O que espera que pensem seus amigos quando desmarca toda semana a cerveja das quintas-feiras? Por que vai tanto à academia se sempre foi o lugar que menos gostou de ir? Por que não come o pão na chapa da padaria da esquina que sempre me pareceu tão bom? Por que ainda dorme com ela se não suporta mais a suas manias, amigas e assuntos? Por que prefere a estranha virtual com quem conversa muitas noites da semana? O que é próximo te intimida ou cansa?

  Que sentido procura no livro que está no banco do seu carro há semanas, do qual só leu as mesmas duas páginas repetidas vezes? Não entende, não avança ou só não sabe o que procura? Se não sabe, só leia. Fará sentido a certa altura, mesmo que você nunca saiba qual. O que faz você deixar escapar seu momento feliz, quando percebe que é sim um momento feliz e você o destrói porque quer guardá-lo, cristalizá-lo e ele voa abandonando-o na sua racionalidade de homem que precisa datar, fotografar, consumir e colecionar?

  O que pretende quando decide amar o provável, desejar o possível e se entreter com mínimo dos outros, se poderia acolher o seu amor improvável, seu destino utópico e deixar-se ser arrebatado pelo mais profundo do outro? Onde não alcança duraria mais, o que não conhece, nem de nome, amaria mais.

  Por onde anda ao meio-dia de domingo, já acordado? Com algum plano que não seja esperar pela segunda-feira? Onde está o gato? Ele é mais livre que você, não é? Sabe o que ele faz, enquanto você passa os dias fora? Não. Não sabe. Seu gato é um completo desconhecido para você, mas você não é para ele, ele lê os seus olhos, ele sabe que quem é cativo é o homem, conhece a sua infelicidade completa e por isso todas as manhãs, enquanto você abre a porta da varanda ele passa mais devagar, oferecendo seu pelo para que você encoste os dedos e se lembre do que é macio e simples, mas você não entende, você não se abaixa e o gato todas as manhãs recolhe sua compaixão para o outro dia.

  Na terça de manhã vai ao médico que marcou há três meses, quase, sente dor? Onde dói? Se o médico perguntar, vai saber responder? Algum lugar específico? O que fará com a dor que não puder apontar? O gato está no seu sofá a esta hora, o gato não vai embora, mas é mais livre que você que abre a porta da varanda para ele todas as manhãs.



Nenhum comentário: