segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Quando eu deixei de gostar de borboletas

  Lindas, indiscutivelmente belíssimas... delicadas, coloridas, poéticas até.  Mas, um dia eu deixei de gostar delas. Eu as amava, seguia-as, sempre devagar e muito discretamente para não assustá-las, para não espantá-las; bastava-me a visão de uma bela borboleta e eu "ganhava o dia"... era bem essa a sensação. Mas um dia eu simplesmente passei a não gostar mais delas e recordo muito bem quando foi.

  Curiosíssima desde sempre, nunca me conformei com explicações muito superficiais sobre absolutamente nada. Gostava sempre de saber o "histórico" de qualquer coisa, imagens, nomes científicos (se fossem da biologia), pseudônimos e heterônimos (se da literatura), quando começou e quando acabou (se da história), onde fica (se da geografia); acho que só por matemática mesmo é que a minha curiosidade era limitada... e isto já numa época jurássica em que "internet" e "google" ainda eram "projetos" (ou nem isso). Então, eu resolvia tudo com a boa e velha "Barsa", a escola em que eu estudava dispunha da coleção completa da tal enciclopédia (minha leitura habitual por muitos anos. Sonhava em ter minha própria coleção...). O que eu não imaginava é que o meu pequeno "paraíso" particular, também se tornaria um dia meu "inferno pessoal"...

  A Barsa me apresentou um mundo de coisas e pessoas maravilhosas: eu descobri que Martin Luther king "tinha um sonho" e o sonho dele era lindo, tão lindo que eu passei a também sonhá-lo; conheci William Shakespeare e o seu amor, e acho que ele me inspirou no desejo de também amar assim como ele um dia; conheci e logo passei a me imaginar como Isadora Duncan, a bailarina que tinha um "jeito novo" de dançar; descobri o "reino vegetal" e com ele as Angiospemas e Gimnospermas (eu adorava isso); aprendi que além da Europa, Ásia, América, África existiam uma tal de Oceania e uma tal Antártida ( - Deve ser grande mesmo esse mundo!). E essas informações todas me levavam ao paraíso!

  Por outro lado, foi na Barsa que eu conheci as palavras "Aparthaid" e "Holocausto" e vi pela primeira vez uma foto do Hitler; na Barsa também eu conheci os reinos Monera e Protista (e um mundo invisível e "perigoso" me perseguiria para sempre. "Uma cozinha tem mais bactérias que um banheiro"); na Barsa eu vi a imagem de crianças desnutridas na Somália e, também, descobri que as borboletas (no seu último estágio de vida - depois de serem lagartas e casulos) viviam apenas de duas a três semanas. As minhas lindas e delicadas borboletas não viviam nem sequer um mês!

  E essa informação me destruiu, claro que por pura imaturidade, porque eu não gostava, não compreendia, não queria entender a tal "efemeridade" da vida. Já não era tão pequena e já tinha experenciado algumas despedidas de gente e bichos queridos, portanto já compreendia a impossibilidade da eternidade, (pelo menos aqui) mas a frágil borboleta me decepcionara tanto! E eu se viesse, por acaso, estreitar laços com qualquer uma delas?... Não duraria um mês? 

  Sim. Eu deveria, depois de tal informação, ser ainda mais generosa com elas, deveria contemplá-las com mais afeto, mais demoradamente até. A vida é efêmera, menina. Saiba aproveitar o tempo! Eu me daria esse conselho lá atrás, eu tento me aconselhar ainda hoje, mas eu não escuto. Já chorei muito em finais de filmes (tudo bem quem não chorou?), mas não pelo enredo, não pelo desfecho, mas porque acabou. E eu nem era tão criança...quando Rock IV acabou, eu chorei porque não assistiria mais a estória do meu ídolo do boxe. É infantil, é imaturo...

   No entanto, cresci, mas continuo evitando despedidas, "adeuses", saudades... E faço isso evitando laços, faço isso evitando a vida, faço isso quando percebo que a finitude se aproxima... eu assumo o "comando" eu me despeço antes que tudo acabe e só porque um dia perderei, abdico da possibilidade de ter.  Acho que a Barsa não me ajudou a ser muito inteligente...quanto às borboletas, rezo para um dia voltar a gostar tanto delas, quanto um dia eu gostei...


Nenhum comentário: