sábado, 2 de fevereiro de 2013

Toda arrumada sem nenhum lugar para ir

   Acontece sempre, exatamente agora em algum lugar deste globo terrestre, alguém escolhe bater a porta na cara de uma oportunidade ou surpresa, porque "não chegou a hora". Casais planejam filhos para o "grande" momento de estabilidade (estabilidade essa que talvez jamais parecerá suficiente), namorados adiam o casamento, relações são interrompidas ou nem iniciadas, porque "não estou no meu melhor momento" e quando é que se está, de fato? Viagens desmarcadas porque falta "maturidade", lugares, decisões e pessoas são "adiadas", volto mais tarde, reencontro lá na frente. Teremos uma segunda chance? Lamentavelmente, temo que não. No nosso "melhor momento" nada acontece...estará toda arrumada, sem nenhum lugar para ir. A lei de Murph é implacável, mais passível de ser sentida do que as de Newton ou de Einsten.

   Digo isto porque vejo de perto o que a vizinha faz (ou não faz) com a própria vida, não somos íntimas e, ainda assim, já testemunhei suas recorrentes "batidas de porta". Não sei se por "aprendizado" ou por nascença mesmo (ou até quem sabe os dois), mas a mulher é virtuosíssima. Muito atenta com os horários, deveres e compromissos; muito cuidadosa com a aparência (a própria, ao do apartamento, carro e gato). A mulher do 307 não atende sequer o telefone se acha que a voz não está suficientemente "adequada", recusa convites, olhares, afetos e laços se acha que não pode dar o seu "melhor". Diz preocupar-se com a expectativa dos outros, mas da minha janela, acho que ela teme um possível "desajuste" na ordem das coisas. O engraçado é que por mais que ela requisite equilíbrio, ela parece sempre muito distante do seu ideal. O carro há semanas está enguiçado na garagem, o aluguel atrasado, ela está mais uma vez desempregada ("nenhum lugar nesta cidade me dá o devido valor!"), o gato adoentado e, por isso, os bons convites vão sendo protelados, as alegrias pequenas pouco vividas, para dar mais sentimento para as maiores que ainda surgirão, ali na frente, junto com o "momento melhor". Isso é o que ela espera. Acho-a uma ótima pessoa, mas tão equivocada a pobre. Conheci-a com carro do ano recém comprado, ótimo emprego, aluguel em dia, ela e o gato cheios de saúde e ainda assim, buscando um "melhor momento" para tudo. Para as saídas, com os colegas de trabalho, durante a semana; para o homem que mandava-lhe flores, consertou sua porta, oferecia-lhe o mais doce olhar do mundo e acompanhou-lhe ao veterinário quando o gato precisou de cirurgia; para o curso de francês, antes de ir à França e até para uma festinha de última hora, ela recusava ofendida o convite tão sem antecipação.

  Devia ela já ter apreendido, o melhor da vida não marca hora, chega sem avisar, não há momento ideal para. O momento ideal é só mesmo quando chegar. E vai chegar sem a unha estar feita, a casa uma bagunça, o coração cansado, com o tempo restrito, pouco dinheiro, combustível acabando, quando estiver de moletom velho e distraída, muito distraída.

  Sexta-feira, 23 horas, encontrei-a há pouco no hall do prédio, foi ao salão de beleza e comprou vestido novo (vi na sacola), está sozinha no apartamento de cima, ninguém ligou ainda. Queria sugerir que ela se desarrumasse um pouco, borrasse a maquiagem, bagunçasse o cabelo de leve e se entregasse à poltrona, quem sabe assim o telefone não tocasse? Não digo nada, só desejo-lhe boa-noite, acho que não é o momento certo, talvez amanhã, se nos encontrarmos à mesma hora, quando colocarmos o lixo para fora. Ou o melhor momento já passou? Talvez se eu subisse ao apartamento dela agora... a fórmula, à distância, parece fácil, mas dentro do apartamento da gente é que as decisões se atrapalham.






Um comentário:

Ana disse...

eu sempre digo que se estivermos à espera da altura certa para fazer as coisas nunca as chegamos a fazer, nunca há vida para ter um filho, casar, viajar, há sempre uma quantidade de "ses" e não podemos viver deles ou arriscamo-nos a ver a vida passar...
beijos